quinta-feira, 28 de junho de 2007

Nós e lixo...

Há algum tempo li um texto do Gould falando de evolução (claro!) e do quão pouco parcimoniosa é a natureza. Com sua erudição ímpar, ele citou, além de exemplos biológicos, várias obras de arte e aspectos culturais, e, como sempre deixou o texto esplendido. Neste texto em especial (que agora não lembro o título, mas quando lembrar, farei questão de colocar uma cópia aqui), ele comparou a eficiência das bactérias à eficiência dos japoneses e atribuiu estas eficiências à simplicidade das bactérias e à falta de criatividade dos japoneses (ok, é uma visão estereotipada, mas se justifica na fama e fortuna que os japoneses fizeram ao miniaturizar e turbinar cacarecos eletrônicos inventados por outros povos). Continuando o paralelo, Gould falou também da necessidade de se fazer coisas inúteis, que não necessariamente gerem produção em curto prazo. A capacidade de fazer coisas inúteis, ou passar um tempo no ócio (no sentido da falta de produção) segundo ele, incentiva a porção criativa das pessoas, aquela capaz de criar, de fazer arte, de levantar boas hipóteses etc. Aí ele entra com a melhor das comparações: bactérias são eficientes o suficiente para não desperdiçar energia duplicando um genoma enorme cheio de DNA "lixo". Se pegarmos os genomas de eucariotos, grande parte dele não codifica proteínas, e, portanto, era até bem pouco tempo considerado DNA lixo... Em compensação, as bactérias continuam sendo seres muito simples, enquanto que os eucariotos, com todo o material genético inútil que armazenaram, conseguiram se tornar mais complexos.

Gould argumentou que a evolução de organismos complexos se deveu em parte à duplicação de genes e de pedaços de DNA. Uma vez que um gene é duplicado, podem acontecer três coisas diferentes: 1) O organismo passa a ter 2 genes que produzem exatamente a mesma proteína; 2) Com o tempo uma das cópias pode sofrer uma mutação qualquer e deixar de funcionar, tornando-se um pseudo-gene, que, como não tem função, vai acumular cada vez mais mutações e tende a se tornar parte do lixo no genoma; e 3) Uma das cópias pode sofrer mutações e mudar de função. Esta terceira opção deve ser de longe a menos provável, mas como estamos no planeta (nós, os seres vivos) há mais ou menos 4 bilhões de anos, quase tudo pode ter acontecido, e esta pode ter sido a grande responsável pela diversificação dos eucariotos, já que permitiu o surgimento de novas proteínas, e portanto o aumento de complexidade e adaptabilidade a mais ambientes...

Tudo isso muito encaixado no meu raciocínio pra lá de simplista até aqui. Acho que dava pra ir além, já que pela teoria da seleção natural, não consigo ver como retirar o lixo do genoma, já que organismos que possuem o lixo não devem deixar mais descendentes que os que não têm. Então genomas de eucariotos seriam grandes depósitos de cadáveres de genes que se acumularam ao longo da evolução.

É claro que eu não ignorava a existência dos RNAs, mas até então, pensava neles como mais uma classe de ferramentas que a célula usa para construir as proteínas (RNA mensageiro, transportador e ribossomal, pra citar os exemplos mais conhecidos).

O estudo de 1% do genoma humano e a comparação deste fragmento com o genoma de diversas outras espécies de eucariotos deu um nó na minha cabeça. Este 1% parece ter seqüências não codificadoras de proteínas que são mais conservadas entre os mamíferos que algumas seqüências codificadoras. Isto significa que estas partes não codificadoras devem ter alguma função muito importante. A outra descoberta é que uma porção muito maior do que se pensava do DNA é transcrita em RNAs, que devem ter funções de regulação da expressão gênica. Este trabalho certamente reduz a proporção do DNA que pode ser considerado lixo no genoma de eucariotos. Será que o estudo dos outros 99% vai mostrar que o genoma não acumula por muito tempo cadáveres de genes, e que os pseudo-genes são seqüências que tendem a sair do genoma? Vou ter que esperar pra ver as cenas dos próximos capítulos. Por enquanto me agarro à esperança de que boa parte dos genomas dos eucariotos seja lixo mesmo, como eu pensava antes. (Bom, agora eu coloquei humildemente a minha cara a tapa! Estou preparada, tomara que este post bata recordes de comentários no meu tão obscuro blog...)

2 comentários:

Fábio Pazzini disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fábio Pazzini disse...

Pois é, Karla, eu tô aqui lendo sempre e fico sempre procurando comentários, pra ver se pelo menos os seus alunos lêem. Tenho gostado de ler, para me aproximar de assuntos com os quais não lido no dia a dia.

Essa de parte do lixo genômico talvez não ser tão lixo é bem interessante. Porque será que ficaria tão conservado por tanto tempo se não tivesse utilidade? Enquanto outras partes do genoma foram se mutando e ficando úteis e algumas inúteis.

Beijos