sábado, 18 de setembro de 2010

De volta à verossimilhança

Acabei de ler um post do Nelson, no blog Bio-Blogando... Já que estávamos falando de verossimilhanças, vamos a pequenos detalhes técnicos:

A verossimilhança de um evento depende do modelo considerado. Um caso simples é um jogo de moedas. Se joguei e deu cara, a verossimilhança de dar cara pode ser 1/2, caso a moeda não tenha nenhum viés e tenha uma cara e uma coroa. Por outro lado, se a moeda tiver duas caras, a verossimilhança de se obter cara é 1.0! (neste caso no modelo 1 a moeda é normal e no modelo 2 a moeda tem duas caras).

A verossimilhança também pode ser vista em um jogo de dados... Se eu obtiver um 6, a verossimilhança deste resultado depende do número de lados com o número 6 que o dado tiver (modelo), além de outros viéses possíveis como pesos diferentes (o que deve ser o caso de dados em cassinos, aumentando as chances de vitória da casa). Assim, se o dado não tiver nenhum viés (modelo 1 - dado normal), a verossimilhança de obter 6  é 1/6. Se o dado tiver 2 lados com o número 6 (modelo 2), a verossimilhança do resultado é 1/3 e assim por diante...

Bom, sendo assim, sempre que nos perguntarmos qual a verossimilhança de um evento, é necessário perguntar também sob qual modelo...

Voltando ao post do Nelson, parece que a enfermeira Lucia se enrascou por ter sido inserida num modelo de mundo que só considerava os eventos onde houve morte de crianças em sua presença. Pelo que entendi, não foram considerados, no modelo utilizado, os eventos onde houve morte de crianças na ausência da enfermeira nem os eventos onde não houve morte de crianças na presença de Lúcia... Só para se ter uma idéia, parece que Lúcia foi condenada à prisão perpétua em 2003 porque a chance dela estar envolvida nos casos de morte apenas por acaso era de 1 em 342 milhões... Na reabertura do caso em 2010, ela foi absolvida porque outros cálculos, considerando outros modelos, fizeram com que a chance dela estar envolvida nos casos de morte apenas por acaso caiu para 1 em 7... Um terceiro modelo deixou a chance em 1 em 26...

Qual será o modelo correto? Temo que não é possível saber... Já vimos que torturando adequadamente os dados eles acabam confessando o que for. Torturando Lúcia, acho que também, imagino que sob tortura eu acabo confessando o assassinato a minha mãe, que por sinal é viva!). Não li o original, só o post do Nelson, mas acredito que a estatística utilizada deve ter sido baseada em verossimilhanças... De qualquer forma, este é outro excelente exemplo da dependência do modelo nas respostas obtidas.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Bio-Blogando: De volta (e pra cadeia!)

Bio-Blogando: De volta (e pra cadeia!): "Bem... Devido a alguma preguiça, a algumas aulas, e a uma virose absolutamente cretina, estamos de volta com o Bio-Blogando, e sim, a idéia ..."

terça-feira, 14 de setembro de 2010

O que interessa é a verossimilhança...

Escutei esta frase da filha de uma amiga minha, que hoje é jornalista... Segundo ela, não importa se uma notícia é verdade, é a verossimilhança que vende jornal. A verossimilhança transmite credibilidade, e é aí que mora o perigo.

Estou falando disso porque hoje é o dia da aula de máxima verossimilhança na disciplina de filogenia molecular. Há uns três anos fui ao show do Paulinho Pedra Azul aqui em Viçosa, e ele me deu o exemplo perfeito de verossimilhança...

A história tem relação com uma de suas canções mais famosas: O Jardim da Fantasia. Pelo que contam, a música teria sido feita para uma noiva do compositor, que morreu em um acidente de carro. A imagem "sua boca pingava mel" seria uma imagem poética do sangue escorrendo da boca da moça logo depois do acidente. Veja o vídeo no you tube antes de continuar a leitura.



E aí, deu pra chorar ouvindo a música com estas figuras sugestivas? Pois é, Paulinho chegou a declarar que odeia a internet, pois foi a partir dela que esta história ganhou vida própria e ficou tão difícil de desmentir. Segundo ele, a moça está viva, bem casada e com filhos. Ele só estava num momento "dor de cotovelo" e queria mais um beijo.

A essa altura as figuras já parecem bregas, uma vez que a história se desmantelou, certo? E porque você acreditou nela? Por causa da tal da verossimilhança...

Veja bem, a história foi construída  a posteriori, de modo que cada elemento da história tem um paralelo perfeito na música.

Onde estás?
Voei por este céu azul
Andei estradas do além
Onde estará meu bem?


Esse trecho não parece uma busca pelo espírito da amada?


Onde estás?
Nas nuvens ou na insensatez
Me beije só mais uma vez
Depois volte prá lá.


Esse então tem toda uma conotação mediúnica...

Tem outra história nesta linha que achei na internet, mas como não ouvi da boca do Djavan, vou deixar o link pra vocês checarem se quiserem...

Bom, fica o recado... A verossimilhança é avaliada a posteriori. Tem uma boa relação com probabilidade, mas vai além. Os detalhes técnicos eu deixo para a aula. Se alguém se interessar muito (mas muito mesmo por iss), posso tentar explicar um pouquinho mais aqui no blog. Vamos ver como será a aula este ano, ano passado algumas pessoas se emocionaram ao ver o vídeo. Será que a história já se espalhou e ninguém mais cai nessa?

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Pedir documento com foto na sala de aula???

Aqui em Viçosa eu descobri que existe uma modalidade de aula que eu não conhecia, são as famigeradas "disciplinas de massa", onde estudantes dos mais diversos cursos de graduação cursam juntos uma mesma disciplina. Sempre achei isso um absurdo: turmas de 60 ou mais estudantes, com interesses diferentes tendo aula, por exemplo, de genética.

Um dos grandes problemas é que enquanto alguns adoram  a matéria, outros mal conseguiram compreender porque têm que cursá-la. É um desafio para o professor e requer uma ginástica mental tentar atrair a atenção de todos. É claro que isso é impossível, e a taxa de reprovação é, por consequência, muito mais alta que a desejável. Já tive longas discussões com alguns colegas por causa disso. Um deles até me surpreendeu ao dizer que as disciplinas de massa caracterizam uma universidade. Não quis ser indelicada, mas desde quando esse tipo de aberração de aulas podem caracterizar uma universidade? Acho que devo ter vindo de outro planeta, mas de onde eu venho essas coisas simplesmente não existem!

Além de tudo isso, descobri hoje que é necessário pedir documento com foto na hora da prova. Como é impossível conhecer todos os estudantes, alguns se aproveitam disso para nunca comparecer às aulas (isso é fácil, basta pedir, ou pagar, para um colega assinar o nome) e mandar um representante, de preferência veterano, que fez a matéria com outro professor, para fazer a prova. Descobri que vários estudantes ganham um bom dinheiro vendendo suas habilidades para fazer provas...

Não consigo entender o que um pagante desses está fazendo por aqui... É a necessidade de um diploma? Não é mais barato estudar? Afinal de contas, qual o meu papel e o dos meus colegas nesse mundo??? Temos que, além de dar nossas aulas e publicar nossos artigos, tentar formar o caráter de adultos? Isso é possível??? Prefiro acreditar que a maioria absoluta das pessoas é mesmo honesta, e que meus alunos estão nesta maioria absoluta... Juro que achei que a maior picaretagem que um aluno pudesse tentar, num momento de desespero, era colar na prova. Hoje descobri que a falta de caráter chega a níveis alarmantes, e que isso está sendo alimentado dentro da universidade.


É preciso acabar com isso, e eu realmente não gostaria de presenciar uma coisa dessas. Só sei que este tipo de prática é crime de falsa identidade, que "consiste em se fazer passar por outra pessoa, com o objetivo de obter alguma vantagem ou prejudicar outrem", e tem como pena de 3 meses a um ano de cadeia, ou pagamento de multa. Bom, passarei agora, como praxe, a exigir documento com foto na sala de aula e a conferir assinaturas. Seria cômico se não fosse trágico, eu não tive treinamento na polícia para atestar veracidade de documentos... A única coisa que posso fazer é botar a boca no trombone caso isso venha a acontecer em alguma turma minha em algum momento.

Fica aqui o meu protesto... Não consigo admitir que estudantes universitários, que estudam numa universidade pública, onde muitos outros gostariam muito de estudar, tomem atitudes como esta. Pra mim isso é outra forma de corrupção. Estes estudantes não deveriam estudar gratuitamente (caso eles não saibam, cada estudante custa uma fortuna aos cofres públicos).

Ainda estou um pouco chocada com a novidade, espero que seja só um boato, e que isso não exista de fato, e que pedir os documentos durante a prova seja só uma grande perda de tempo...