segunda-feira, 5 de novembro de 2007

o problema está no coletivo?

Hoje começou aqui em Porto Alegre um encontro de evolucionistas. Tem gente do Brasil inteiro, além de alguns estrangeiros ilustres... As discussões já começaram acaloradas, cada qual defendendo seus métodos e teorias com todo o amor e carinho possível a um cientista que se preze. O que mais me chamou a atenção, no entanto, não foram os pontos de discórdia, mas sim o ponto comum, que incrivelmente leva a uma reflexão a respeito do que pensa a humanidade sobre a própria humanidade.

Por coincidência (ou não), estou lendo um livro de Frans de Wall: "Eu, Primata: Porque Somos Como Somos". No livro o autor fala da vida social de chimpanzés e bonobos e tenta encontrar paralelos no comportamento humano. No capítulo que trata de guerras, ele cita como um grupo de chimpanzés pode ser agressivo com outro a ponto de torturar e matar os rivais (coisa que até pouco tempo se acreditava que era prerrogativa humana: torturar e matar membros da mesma espécie). No mesmo capítulo, ele citou um experimento feito com alunos em Stanford. Os alunos foram divididos, na base do cara e coroa, em dois grupos: guardas e prisioneiros. O objetivo era avaliar o comportamento deles nestes papéis por duas semanas. Depois de seis dias o experimento teve que ser suspenso por causa dos maus tratos sofridos pelo grupo dos prisioneiros. Tem um filme também, aliás, maravilhoso, chamado "Trem da Vida" Direção de Radu Mihaileanu), que mostra um grupo de judeus fugindo de trem dos Nazistas. Para que não fossem capturados por nazistas que fatalmente os encontrariam no caminho, eles se dividiram em dois grupos, o primeiro composto de judeus disfarçados de nazistas e o segundo de judeus disfarçados de prisioneiros... Se não deu pra imaginar o que aconteceu, veja o filme, é esclarecedor sobre a natureza humana.

Tudo isso me veio à mente por causa do assunto central do dia: evolução humana. Como aconteceu? O que se sabe (ou se postula) é que um grupo saiu da África há 1.9 milhões de anos e linhagens evoluíram em diferentes localidades (África, Ásia e Europa), sempre trocando genes umas com as outras. Depois disso, há aproximadamente 150 mil anos, outra leva (de anatomia mais moderna) saiu da África e se espalhou pelo mundo. A grande questão, que gera brigas e discussões polidas, mas acaloradas, é se eles saíram pelo mundo "making love or war", ou seja, se foram substituindo as existentes ou se misturando a elas.

De qualquer maneira, todos sabemos que temos um ancestral comum africano, e que não há qualquer sustentação para o conceito de raça dentro do Homo sapiens. Na verdade o conceito de raça é um assunto de fato superado entre os geneticistas (exceto para o prêmio Nobel, James Watson, que fez declarações lamentáveis sobre os africanos) e mais ainda entre evolucionistas. Há, no entanto, uma idéia de populações. Abandonamos o conceito tipológico (que abriga a idéia de “tipos” atribuídos a diferentes raças) pelo populacional, amplamente aceito pela comunidade científica. Este conceito apresenta amplas vantagens em relação ao anterior, já que postula que não há tipos, e sim médias populacionais. Nenhum indivíduo teria exatamente todas as características da média, e o mais importante, as médias se sobrepõe, tirando o sentido das divisões em raças (leia o ensaio “Typological versus Populational Thinking”, de Ernest Mayr para maiores esclarecimentos). Em sua fala, o Prof. Sérgio Pena propôs que a divisão populacional tampouco faz sentido. A alternativa pareceu muito razoável e vou tentar fazer aqui um arremedo dela: quando as linhagens de brasileiros foram estudadas, mostrou-se que temos mitocôndrias asiáticas ou africanas e cromossomos Y europeus. Quanto aos genes nucleares, ninguém sabe... Como eles fazem crossing-over, temos pedaços de genes das mais diversas origens, seja qual for a sua teoria preferida sobre os humanos modernos. Assim, Sérgio Pena propôs que cada indivíduo é na verdade um mosaico genético e que é impossível agrupar indivíduos em populações, raças ou o que quer que seja (peço desculpas pela supersimplificação do tema, para maiores esclarecimentos, clique aqui).

Sendo assim, podemos nos considerar únicos. Se bem é uma maneira individualista de ver o mundo, é uma maneira de não nos sentirmos parte de um grupo, e, o que é mais importante, não seremos rivais de qualquer outro grupo. A história está cheia de exemplos de grupos que se revoltam contra outros. Religiões levam a guerras santas (leia o novo livro do Dawkins “Deus, um Delírio” para ter uma noção mais realista disso), soldados matam por qualquer coisa que seja almejada pelo grupo (qualquer filme de guerra mostra isso pra você), pessoas com cores diferentes se odeiam... Na verdade, uma boa base para guerras é considerar o inimigo como não humano e a única forma de fazer isso é te convencendo de que você faz parte do grupo dos humanos. Além de trazer uma perspectiva de paz (já que não nos juntaríamos para lutar com outros grupos), uma visão individualista da humanidade também permite a valorização dos outros como únicos. Será possível avaliar qualidades e defeitos das pessoas de modo a respeita-las, admira-las ou mesmo evita-las com base em atitudes ou palavras de cada um, e não com base em idéias que temos sobre grupos (que agrupamos por cor, classe social ou qualquer outra bobagem). Para uma visão diametralmente oposta à minha, leia a entrevista de Charles Murray, autor do controverso “Curva do Sino”, o qual só recomendo para que você tenha uma idéia de a que ponto se pode chegar no racismo e intolerância.