quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Só falta dizer que ela é feia...

Quando eu era pequena e queria "atacar" alguém, o repertório mais rico que eu tinha era dizer: "você é chata, boba e feia". O pouco que venho acompanhando da campanha para presidente feita pelo Sr. Serra é mais ou menos neste nível: Dilma é pouco confiável porque mentiu nos porões da ditadura (o que significa que não delatou os seus companheiros de luta, o que me parece no mínimo louvável); Dilma é mão de ferro (o que significa que seus subalternos com firmeza e que não é muito meiguinha...); Dilma mata criancinhas (até agora não sei de onde veio, acho que acharam que ela é a favor do aborto?!?).

Tem também a esquizofrenia aguda: quando falam bem do governo Lula, dizem que Dilma não participou, que não fez nada e que saiu "do nada" para ser candidata. Quando falam mal do governo atual, o governo é de Dilma! Eles têm que decidir se ela participou ou não... Ou será que ela é um agente do mal, com o dedo podre e tudo que é reprovável é culpa dela e tudo que é louvável é porque ela não estava por perto?

Além do falatório, tem os factóides, e não dá pra deixar de falar do melhor de todos: bolinha de papel que se transformou num rolo de fita crepe, (o Molina foi o único que viu, sob supervisão de William Boner e Fátima Bernardes) que virou arma branca! Acho que teríamos que ter um pebiscito para decidir se é ou não permitido portar rolos de fita crepe em público, ou se devemos mantê-los em casa, para o caso de entrar ladrão... Será que deveríamos usar fita crepe na frente das crianças??? (tem um montão de comentários hilários sobre isso no JORNAL FLIT PARALISANTE, se você precisa dar umas gargalhadas, eu recomendo!!!).

Isso da bolinha me lembra outros episódios da minha infância, que envolviam a minha irmã mais nova: "mãe, ela tacou esse negócio na minha cabeça e machucou..." (O plano secreto e super elaborado era fazer a minha mãe odiar a minha irmã e eu me tornar filha única de novo, não é fantástico?) O problema é que nunca dava certo, minha mãe era um tanto quanto insensível a este tipo de artimanha. Quando estava com a pá virada castigava as duas e pronto! Será que a mãe do Serra deixava o irmão dele sem sobremesa quando ele fazia isso?

Eu não sei o que o Sr. Serra e sua trupe acham dos eleitores brasileiros. Não sei se acham que este comportamento bizarro tem alguma chance de "colar" (será que cola com fita crepe?). Eu fico me perguntando por que a direita raivosa fica tão brava quando pensa que o Lula é semi-analfabeto e aceita o comportamento de criança birrenta de Serra. Sinceramente, por sua história de luta contra a ditadura, na época de estudante, esperava muito mais dele. (Eu me pergunto também o que teria acontecido caso José Serra tivesse ficado no Brasil e lutado ao invés de ir para o exterior: teria ele mentido para o governo ou delatado seus companheiros? Difícil dizer...). Esperava muito da esposa dele também. Sempre me perguntei porque ele não usava o fato dela ser parente de Salvador Allende para se promover... Depois que vi a declaração dela sobre Dilma na questão do aborto, entendi porque ele a mantinha quieta: para não ter que pagar mico (mais???)...

Tenho recebido alguns de e-mails incríveis falando mal da Dilma, e pelo que soube, a campanha na internet está muito pior (quem me conhece de verdade não me mandaria este tipo de e-mail com medo da resposta que poderia receber). Eu não tenho respondido a nada, mas como professora, devo advertir: não é porque escreveram alguma coisa que ela é verdade... Um ditado popular diz que onde há fumaça há fogo... Será que é verdade? Eu não sei, a imaginação humana é super fértil, e podemos imaginar milhares de motivos para inventar coisas ruins sobre um adversário e sair por aí falando, sem nenhuma prova, sem citar nenhuma fonte, que é exatamente a tática que estão usando...

Bom, pra terminar, vou vou copiar e colar (sem fita crepe) o e-mail que recebi de um amigo meu, o Bruno, que aliás fez uma pesquisa séria e com várias declarações de apoio a Dilma emitidos pelos mais diversos grupos de pessoas. Ele também fez um vídeo declarando seu apoio a Dilma e postou no YouTube. Se eu conheço a figura, ele deve estar muito bravo com essa boataria toda para se expor desta maneira, foi por isso que eu também me animei a escrever algo, não dá pra ficar calada escutando tudo como se nada estivesse acontecendo...


Queridos amigos,
Mil desculpas por invadir seu email para panfletar. Vai ser só esta
vez. É que o momento é sério.
A atual campanha política do psdb tem sido de baixaria, calúnias e
ódios contra a Dilma e o PT.
Não consegui ficar sem fazer nada.
É preciso combater o ódio usando a verdade, a boa informação e a delicadeza.

Nesse email eu reuni três tipos de informação:

- Declarações de apoio a Dilma: movimentos sociais, grupos organizados
da sociedade civil e também personalidades públicas que declararam seu
voto e apoio à Dilma.

- Indicação de fontes de informação oficiais da campanha de Dilma,
para esclarecer a boataria e tentar neutralizar um pouco do rancor.

- Uma comparação muito bem humorada entre o governo Fhc e Lula, criada
pelo meu xará e ilustrador Bruno O. Barros (@ilustrebob, no twitter),
que também declara seu voto a Dilma (não é boataria, hein? Tudo tem
links para as fontes de info). Em anexo.

Estou à disposição para conversar sobre a candidatura Dilma, por email
(este mesmo), skype (brunobuys), ou twitter
(http://twitter.com/brunobuys)
. Posso enviar links sobre a candidata,
matérias na imprensa, e, claro minha opinião pessoal, de eleitor que
vota no PT desde o segundo turno de 1989. Veja também o vídeo do meu
apoio e voto declarado em
http://www.youtube.com/watch?v=H8_7CFtxRH8.

Quem quiser passar este email adiante, fique à vontade.

Só através de uma corrente de credibilidade e de boa-vontade poderemos
reverter a infeliz campanha promovida pelo Serra. Contra o medo, a
esperança!

Beijos e abraços planaltinos,

Bruno


***

APOIO A DILMA:
(a cada dia aparecem mais. Essa lista foi pesquisada entre os dias 14
a 18 de outubro)

Chico Buarque apoia Dilma:
http://www.dilma13.com.br/video/depoimento-de-chico-buarque-18-de-outubro/

Intelectuais e artistas lançaram manifesto Pró-Dilma "Abaixo-Assinado:
À NAÇÃO - Manifesto de artistas e intelectuais pela democracia e pelo
povo" e entregaram o documento ontem (18, segunda, à noite), no Teatro
Casagrande, Leblon, RJ.
http://dilmanarede.com.br/ondavermelha/galera-da-dilma/artistas-e-intelectuais-organizam-manifesto-pro-dilma
http://www.abaixoassinado.org/abaixoassinados/7080
http://www.cartacapital.com.br/politica/chico-buarque-assina-manifesto-em-apoio-a-dilma-rousseff

Os primeiros a assinar o Manifesto:
Leonardo Boff
Maria Conceição Tavares
Oscar Niemeyer
Marilena Chaui
José Luis Fiori
Emir Sader
Theotonio dos Santos
Fernando Morais...
(mas tem muitos outros. Abra o link).

Alceu Valença está com Dilma:
http://dilmanarede.com.br/ondavermelha/noticias/direto-do-twitter-alceu-valenca-ta-com-ela

Hildegard Angel apoia Dilma, pela memória do Brasil e dos que lutaram
contra a ditadura.
http://www.youtube.com/watch?v=fJ29Xq0i2lc

MST, Via Campesina e outros 13 movimentos sociais declaram apoio a
Dilma e criticam Serra:
http://www1.folha.uol.com.br/poder/815216-movimentos-sociais-declaram-apoio-a-dilma.shtml

       "A candidatura de José Serra nos surpreendeu, não por sua
identificação com as políticas neoliberais, e sim
       pelo baixo nível da sua campanha presidencial", diz um trecho do
manifesto." (acima)


Manifesto de apoio a Dilma: artistas, atores, poetas, dançarinos,
etc,. 25 de outubro no Circo Voador-RJ:
http://www.flickr.com/photos/54713809@N04/5084944983/
http://novasdocirco.blogspot.com/2010/10/manifesto-de-apoio-dilma.html
(esse é outro, diferente do Teatro Casagrande)

Nei Lisboa declara seu voto em vídeo:
http://bit.ly/dxMAIT

Chico César está com Dilma:
http://www.youtube.com/watch?v=cukmKw5dQPY

Encabeçado por sete bispos, entre eles dom Thomas Balduíno, bispo
emérito de Goiás Velho (GO) e presidente honorário da Comissão
Pastoral da Terra (CPT), e d. Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São
Felix do Araguaia (MT), foi divulgado hoje (14/10/10) um manifesto de
"cristãos e cristãs evangélicos e católicos em favor da vida e da vida
em abundância", que contava no início da tarde com mais de 300 adesões
de religiosos e fiéis.
http://ultimosegundo.ig.com.br/eleicoes/religiosos+divulgam+no+rio+manifesto+em+apoio+a+dilma/n1237801303768.html

UNE (União Nacional dos Estudantes) e UBES (União Brasileira dos
Estudantes Secundaristas) indicam voto em Dilma:
http://www.une.org.br/home3/politica/politica_-_2010/m_17871.html

       "As entidades estudantis afirmam indicam voto à Dilma por acreditarem
que é a oportunidade de aprofundar
       avanços obtidos nos últimos anos."

Juristas apoiam Dilma, pela liberdade de expressão:
http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/35856_EM+RESPOSTA+JURISTAS+ASSINAM+MANIFESTO+PROLULA

       "nos últimos anos, com vigor, a liberdade de manifestação de ideias
fluiu no País.
       Não houve um ato sequer do governo que limitasse a expressão do pensamento
       em sua plenitude".

Líderes religiosos camponeses e católicos progressistas anunciam
engajamento na campanha pró-Dilma:
http://bit.ly/9r4F0L
http://bit.ly/bf9oiy

Prefeitos do Rio Grande do Norte divulgam manifesto Pró-Dilma:
http://www.nominuto.com/noticias/politica/prefeitos-do-rn-divulgam-manifesto-pro-dilma/52897/

       "Os prefeitos criticaram o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso,
       afirmando que o tucano costumava recebê-los com a “tropa de choque
       da Polícia Militar no Palácio do Planalto”."

"Educação – O Brasil no rumo certo". Manifesto de Reitores das
Universidades Federais à Nação Brasileira:
http://www.ufal.edu.br/ufal/utilidades/com-a-palavra/educacao-2013-o-brasil-no-rumo-certo-manifesto-de-reitores-das-universidades-federais-a-nacao-brasileira

       Conta com a assinatura de 36 reitores de Universidades Federais e
Colégios Técnicos

Pesquisadores e professores de Filosofia:
https://sites.google.com/site/manifestofilosofosprodilma/

       Contava com 797 assinaturas, as 19:40 do dia 18.

Arquitetos e engenheiros lançam "Manifesto de apoio Dilma presidente",
citando 13 motivos para apoiá-la:
http://osamigosdapresidentedilma.blogspot.com/2010/10/manisfesto-de-apoio-dilma-presidente.html

Gilberto Gil declara voto:
http://www.youtube.com/watch?v=Ieo35nt2PUo

Flora Gil desde o início da campanha:
http://www.pimentanamuqueca.com.br/?tag=flora-gil

Oscar Niemeyer:
http://www.youtube.com/watch?v=p2bL4z26CnA
http://www.google.com/hostednews/epa/article/ALeqM5ipry7R1YircXxJYJSpOSGPFxo5Ew?docId=1381783

Profissionais do direito com Dilma:
http://www.conjur.com.br/2010-out-14/advogados-organizam-manifesto-apoio-dilma-rio

Ambientalistas que apoiaram Marina Silva apoiam Dilma no 2o turno:
http://www.macroabc.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3181:ambientalistas-que-estavam-com-marina-lancam-manifesto-de-apoio-a-dilma-&catid=25:setoriais

Apoio do PP:
http://www1.folha.uol.com.br/poder/814582-dilma-recebe-apoio-informal-do-pp-e-defende-plano-de-marina-para-a-amazonia.shtml

Abílio Diniz:
http://oglobo.globo.com/pais/mat/2010/03/05/abilio-diniz-declara-apoio-dilma-915995462.asp
http://www.cartacapital.com.br/destaques_carta_capital/abilio-diniz-%E2%80%9Cespero-que-o-legado-de-lula-nao-se-perca%E2%80%9D
Em vídeo, durante a entrega do premio "As Empresas Mais Admiradas":
http://www.youtube.com/watch?v=X43RJyZeSdk


Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES):
http://www.fbes.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=5492&Itemid=62

Aldir Blanc:
http://www.viomundo.com.br/politica/aldir-blanc-explica-seu-voto-em-dilma.html

       Aldir foi direto ao ponto:
       "Votem em Dilma - ou regridam às privatizações selvagens, à perda da Petrobrás,
       ao comando do latifúndio, dos ruralistas, dos banqueiros, de todas as forças
       retrógradas do país, incluindo os torturadores".

Marcelo Camelo, músico, vota em Dilma:
http://revistatrip.uol.com.br/revista/188/paginas-negras/marcelo-camelo/page-2.html

Fala de Marilena Chauí durante o "Ato por Dilma Presidente", dia 8 de outubro:
http://www.youtube.com/watch?v=G9jxvKkOSus

Pastorais da Juventude estão com Dilma:
http://dilmanarede.com.br/ondavermelha/dilma13/pastorais-da-juventude-estao-com-dilma

"Caminhada em Defesa da Educação Pública: Dilma Presidente”
http://dilmanarede.com.br/ondavermelha/galera-da-dilma/educadores-gauchos-com-dilma

Articulação no Semiárido divulga carta de apoio à Dilma:
http://dilmanarede.com.br/ondavermelha/noticias/articulacao-no-semiarido-divulga-carta-de-apoio-a-dilma

***

RECURSOS OFICIAIS DA CAMPANHA DE DILMA ROUSSEFF:

No twitter:
http://twitter.com/dilmabr

No orkut:
http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=101994554

No Facebook:
http://facebook.com/dilmabr

No Flickr:
http://flickr.com/dilma-rousseff

Dilma13:
http://www.dilma13.com.br

Uma central anti-Boataria foi montada, para ajudar os eleitores a
denunciar boatos:
http://www.dilma13.com.br/verdades/

***

E alguns blogs amigos que têm trabalhado pra combater a boataria:

Revista Fórum
http://www.revistaforum.com.br

O Biscoito Fino e a Massa:
http://idelberavelar.com/

Blog do Miro:
http://altamiroborges.blogspot.com/

Centro de Estudos Barão de Itararé:
http://www.baraodeitarare.org.br/

sábado, 18 de setembro de 2010

De volta à verossimilhança

Acabei de ler um post do Nelson, no blog Bio-Blogando... Já que estávamos falando de verossimilhanças, vamos a pequenos detalhes técnicos:

A verossimilhança de um evento depende do modelo considerado. Um caso simples é um jogo de moedas. Se joguei e deu cara, a verossimilhança de dar cara pode ser 1/2, caso a moeda não tenha nenhum viés e tenha uma cara e uma coroa. Por outro lado, se a moeda tiver duas caras, a verossimilhança de se obter cara é 1.0! (neste caso no modelo 1 a moeda é normal e no modelo 2 a moeda tem duas caras).

A verossimilhança também pode ser vista em um jogo de dados... Se eu obtiver um 6, a verossimilhança deste resultado depende do número de lados com o número 6 que o dado tiver (modelo), além de outros viéses possíveis como pesos diferentes (o que deve ser o caso de dados em cassinos, aumentando as chances de vitória da casa). Assim, se o dado não tiver nenhum viés (modelo 1 - dado normal), a verossimilhança de obter 6  é 1/6. Se o dado tiver 2 lados com o número 6 (modelo 2), a verossimilhança do resultado é 1/3 e assim por diante...

Bom, sendo assim, sempre que nos perguntarmos qual a verossimilhança de um evento, é necessário perguntar também sob qual modelo...

Voltando ao post do Nelson, parece que a enfermeira Lucia se enrascou por ter sido inserida num modelo de mundo que só considerava os eventos onde houve morte de crianças em sua presença. Pelo que entendi, não foram considerados, no modelo utilizado, os eventos onde houve morte de crianças na ausência da enfermeira nem os eventos onde não houve morte de crianças na presença de Lúcia... Só para se ter uma idéia, parece que Lúcia foi condenada à prisão perpétua em 2003 porque a chance dela estar envolvida nos casos de morte apenas por acaso era de 1 em 342 milhões... Na reabertura do caso em 2010, ela foi absolvida porque outros cálculos, considerando outros modelos, fizeram com que a chance dela estar envolvida nos casos de morte apenas por acaso caiu para 1 em 7... Um terceiro modelo deixou a chance em 1 em 26...

Qual será o modelo correto? Temo que não é possível saber... Já vimos que torturando adequadamente os dados eles acabam confessando o que for. Torturando Lúcia, acho que também, imagino que sob tortura eu acabo confessando o assassinato a minha mãe, que por sinal é viva!). Não li o original, só o post do Nelson, mas acredito que a estatística utilizada deve ter sido baseada em verossimilhanças... De qualquer forma, este é outro excelente exemplo da dependência do modelo nas respostas obtidas.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Bio-Blogando: De volta (e pra cadeia!)

Bio-Blogando: De volta (e pra cadeia!): "Bem... Devido a alguma preguiça, a algumas aulas, e a uma virose absolutamente cretina, estamos de volta com o Bio-Blogando, e sim, a idéia ..."

terça-feira, 14 de setembro de 2010

O que interessa é a verossimilhança...

Escutei esta frase da filha de uma amiga minha, que hoje é jornalista... Segundo ela, não importa se uma notícia é verdade, é a verossimilhança que vende jornal. A verossimilhança transmite credibilidade, e é aí que mora o perigo.

Estou falando disso porque hoje é o dia da aula de máxima verossimilhança na disciplina de filogenia molecular. Há uns três anos fui ao show do Paulinho Pedra Azul aqui em Viçosa, e ele me deu o exemplo perfeito de verossimilhança...

A história tem relação com uma de suas canções mais famosas: O Jardim da Fantasia. Pelo que contam, a música teria sido feita para uma noiva do compositor, que morreu em um acidente de carro. A imagem "sua boca pingava mel" seria uma imagem poética do sangue escorrendo da boca da moça logo depois do acidente. Veja o vídeo no you tube antes de continuar a leitura.



E aí, deu pra chorar ouvindo a música com estas figuras sugestivas? Pois é, Paulinho chegou a declarar que odeia a internet, pois foi a partir dela que esta história ganhou vida própria e ficou tão difícil de desmentir. Segundo ele, a moça está viva, bem casada e com filhos. Ele só estava num momento "dor de cotovelo" e queria mais um beijo.

A essa altura as figuras já parecem bregas, uma vez que a história se desmantelou, certo? E porque você acreditou nela? Por causa da tal da verossimilhança...

Veja bem, a história foi construída  a posteriori, de modo que cada elemento da história tem um paralelo perfeito na música.

Onde estás?
Voei por este céu azul
Andei estradas do além
Onde estará meu bem?


Esse trecho não parece uma busca pelo espírito da amada?


Onde estás?
Nas nuvens ou na insensatez
Me beije só mais uma vez
Depois volte prá lá.


Esse então tem toda uma conotação mediúnica...

Tem outra história nesta linha que achei na internet, mas como não ouvi da boca do Djavan, vou deixar o link pra vocês checarem se quiserem...

Bom, fica o recado... A verossimilhança é avaliada a posteriori. Tem uma boa relação com probabilidade, mas vai além. Os detalhes técnicos eu deixo para a aula. Se alguém se interessar muito (mas muito mesmo por iss), posso tentar explicar um pouquinho mais aqui no blog. Vamos ver como será a aula este ano, ano passado algumas pessoas se emocionaram ao ver o vídeo. Será que a história já se espalhou e ninguém mais cai nessa?

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Pedir documento com foto na sala de aula???

Aqui em Viçosa eu descobri que existe uma modalidade de aula que eu não conhecia, são as famigeradas "disciplinas de massa", onde estudantes dos mais diversos cursos de graduação cursam juntos uma mesma disciplina. Sempre achei isso um absurdo: turmas de 60 ou mais estudantes, com interesses diferentes tendo aula, por exemplo, de genética.

Um dos grandes problemas é que enquanto alguns adoram  a matéria, outros mal conseguiram compreender porque têm que cursá-la. É um desafio para o professor e requer uma ginástica mental tentar atrair a atenção de todos. É claro que isso é impossível, e a taxa de reprovação é, por consequência, muito mais alta que a desejável. Já tive longas discussões com alguns colegas por causa disso. Um deles até me surpreendeu ao dizer que as disciplinas de massa caracterizam uma universidade. Não quis ser indelicada, mas desde quando esse tipo de aberração de aulas podem caracterizar uma universidade? Acho que devo ter vindo de outro planeta, mas de onde eu venho essas coisas simplesmente não existem!

Além de tudo isso, descobri hoje que é necessário pedir documento com foto na hora da prova. Como é impossível conhecer todos os estudantes, alguns se aproveitam disso para nunca comparecer às aulas (isso é fácil, basta pedir, ou pagar, para um colega assinar o nome) e mandar um representante, de preferência veterano, que fez a matéria com outro professor, para fazer a prova. Descobri que vários estudantes ganham um bom dinheiro vendendo suas habilidades para fazer provas...

Não consigo entender o que um pagante desses está fazendo por aqui... É a necessidade de um diploma? Não é mais barato estudar? Afinal de contas, qual o meu papel e o dos meus colegas nesse mundo??? Temos que, além de dar nossas aulas e publicar nossos artigos, tentar formar o caráter de adultos? Isso é possível??? Prefiro acreditar que a maioria absoluta das pessoas é mesmo honesta, e que meus alunos estão nesta maioria absoluta... Juro que achei que a maior picaretagem que um aluno pudesse tentar, num momento de desespero, era colar na prova. Hoje descobri que a falta de caráter chega a níveis alarmantes, e que isso está sendo alimentado dentro da universidade.


É preciso acabar com isso, e eu realmente não gostaria de presenciar uma coisa dessas. Só sei que este tipo de prática é crime de falsa identidade, que "consiste em se fazer passar por outra pessoa, com o objetivo de obter alguma vantagem ou prejudicar outrem", e tem como pena de 3 meses a um ano de cadeia, ou pagamento de multa. Bom, passarei agora, como praxe, a exigir documento com foto na sala de aula e a conferir assinaturas. Seria cômico se não fosse trágico, eu não tive treinamento na polícia para atestar veracidade de documentos... A única coisa que posso fazer é botar a boca no trombone caso isso venha a acontecer em alguma turma minha em algum momento.

Fica aqui o meu protesto... Não consigo admitir que estudantes universitários, que estudam numa universidade pública, onde muitos outros gostariam muito de estudar, tomem atitudes como esta. Pra mim isso é outra forma de corrupção. Estes estudantes não deveriam estudar gratuitamente (caso eles não saibam, cada estudante custa uma fortuna aos cofres públicos).

Ainda estou um pouco chocada com a novidade, espero que seja só um boato, e que isso não exista de fato, e que pedir os documentos durante a prova seja só uma grande perda de tempo...

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Infidelidade

A infidelidade masculina sempre foi tratada como "normal", com explicações até mesmo "biológicas", no sentido de que um macho infiel acaba deixando mais descendentes que os "bonzinhos". Homens que conhecem minimamente a teoria evolutiva algumas vezes chegam a argumentar a favor do comportamento promíscuo "à luz da evolução"...

Hoje estava passeando pela Internet, procurando alguma coisa interessante para postar aqui no Blog e abri o site da Science, onde encontrei um artigo ótimo sobre comportamento promíscuo que mostra que, pelo menos para uma espécie de passarinho (Erythrura gouldiae), a promiscuidade feminina tem uma base "biológica", chegando mesmo a aumentar o valor adaptativo da prole das fêmeas não tão boazinhas.

O artigo foi feito com base em experimentos e determinação de paternidade, e acredito que será exemplo de livros-texto no futuro, de tão bonito que é. Vou tentar simplificar:

Parece que estes passarinhos podem ter cabeça vermelha ou preta, e que a determinação desta cor está nos cromossomos sexuais (para quem não sabe, em aves as fêmeas têm dois cromossomos diferentes, Z e W, enquanto os machos têm dois cromossomos iguais, ZZ). É diferente, por exemplo, da espécie humana, onde as fêmeas são XX e os machos XY.

Bom, a cor da cabeça é dada por um gene no cromossomo Z, de modo que fêmeas ZRW têm cabeça vermelha, enquanto fêmeas ZrW têm cabeça preta. Os machos, por outro lado, podem ser ZRZR ou ZRZr e ter cabeça vermelha, ou ZrZr e ter cabeça preta.

Acontece que casais com cores de cabeça diferentes têm prole com viabilidade menor que os casais com cabeças de cores iguais. O problema é que uma fêmea de cabeça vermelha não sabe se um macho de cabeça vermelha é homozigoto ou heterozigoto para o gene R. O problema disso é que um macho heterozigoto também pode reduzir a viabilidade de sua ninhada.

O artigo sugere que os pares "monogâmicos" são formados tanto por indivíduos com as cabeças de cores iguais quanto diferentes. Vamos chamar de agora em diante os pares com as mesmas cores de "pares viáveis" e os pares com cores diferentes de "pares inviáveis", só para facilitar.

Agora vem o resultado mais interessante do artigo. Uma parte dos resultados mostrou que:

  1. quando fêmeas de pares viáveis traem seus companheiros com amantes também viáveis, a proporção de filhotes, frutos do amor proibido em relação ao total, é de 2/4 para as fêmeas de cabeça vermelha e 2/5 para as fêmeas de cabeça preta.
  2. quando fêmeas de pares inviáveis traem seus companheiros com amantes também inviáveis, a proporção de filhotes, frutos do amor proibido é bem menor: 1/5 para as fêmeas de cabeça vermelha e 1/4 para as fêmeas de cabeça preta.
  3. quando fêmeas de pares inviáveis traem seus companheiros com amantes viáveis, a proporção de filhotes do "outro" chega a 5/5 para as de cabeça vermelha e 3/4 para as de cabeça preta.
  4. finalmente quando fêmeas de pares viáveis traem seus companheiros com amantes inviáveis, nenhum dos 3 filhotes que produziram é do "outro"...
Estes resultados sugerem, no mínimo, que esse negócio de copular com mais de um macho aumenta a viabilidade dos ovos, além de aumentar a variabilidade genética da ninhada... O artigo fala também de competição espermática, já que o esperma de vários machos pode ficar estocado no corpo da fêmea por muito tempo.

Pensando bem, este tipo de resultado é muito interessante, e desmonta o argumento moralista de que "até as aves, que são irracionais, são fiéis"... Na verdade o argumento caiu por terra desde os primeiros trabalhos aliando metodologias moleculares com estudos comportamentais.

Será que este é o início de uma era onde as mulheres também terão argumentos "biológicos" suficientemente bons para um comportamento mais promíscuo? Tenho visto na televisão umas reportagens insinuando que os homens traem mais, mas as mulheres mentem melhor. Haverá um componente adaptativo para a traição das fêmeas de Homo sapiens? Acho que os homens vão ter que arrumar outro argumento para as próximas puladas de cerca, ou então vão ter que engolir o argumento biológico vindo na contramão...


sexta-feira, 13 de agosto de 2010

fundamentalismos II

Inspirada num post do blog do Nelson, gostaria de falar de outro tipo de fundamentalismo que ando vendo por aí: o fundamentalismo genético.

Discuti isso ainda hoje com os meus alunos na sala de aula. Estamos só no começo da disciplina de genética básica, e estávamos falando sobre dominância e recessividade. Uma maneira prática de entender recessividade é a seguinte: um gene (ou alelo) é dito "recessivo" quando se expressa no fenótipo apenas quando está em dose dupla, ou seja, quando são necessárias duas cópias e não uma só para que o gene surta efeitos visíveis ou sensíveis (estamos falando do bicho-gente, que é diplóide).

Bom, eu comentei com eles que existe uma empresa que se chama "23 and me", que presta o serviço de sequenciar o seu genoma haplóide (por isso 23, eles sequenciam apenas um de cada um dos seus cromossomos). Não sei direito se eles sequenciam tudo, ou fazem uma busca por "genes suspeitos" que você porta. O que interessa é que, depois de um tempo, te mandam uma lista com todos os "problemas genéticos" que você poderá ter durante a sua vida...

Refletimos sobre a possibilidade de ter sequenciados alelos recessivos que não seriam expressos de qualquer maneira, já que estão em dose única e só se expressariam em dose dupla. Será que quando a empresa vende o serviço ela informa sobre esta possibilidade? Ou será que quando detecta uma coisa assim, sequencia os dois alelos para saber qual o genótipo completo referente à doença antes de alarmar o cliente?

Outra coisa a ser pensada nas próximas aulas de genética: e todos os outros genes que poderiam interferir na expressão da doença? Será que já se sabe quais e quantos são? E o ambiente em que a pessoa se desenvolve, não conta???


Esta informação, em todo caso, seria útil no caso de casamento com outra pessoa que também tivesse tido seu genoma haplóide sequenciado e tivesse detectado o mesmo problema no mesmo gene... Neste caso você teria 25% de chance de ter um filho com o genótipo recessivo, e, dependendo do ambiente, o menino poderia ter a doença genética determinada pelo gene em questão...

O post do Nelson fala do editorial da Nature desta semana, onde Francis Collins (o responsável pelo consórcio público de sequenciamento do Genoma Humano), um geneticista muito conhecido e respeitado, disse ter começado a se preocupar com sua saúde por causa de um diagnóstico genético (por sequenciamento) que indica a probabilidade de ter diabetes tipo 2.

A história toda me lembrou um artigo da revista Genética na Escola que trata de uma atividade didática, a paresentação do filme (que ainda não vi): Questão de Sensibilidade (The Twilight of the Golds). Após a apresentação do filme, os estudantes são convidados a discutir sobre o que foi visto, à luz do que estão aprendendo em genética. No contexto do filme (por favor, no contexto do filme!), já se sabe que existe um gene que determina o comportamento homossexual. O personagem principal é um geneticista, cuja mulher está grávida. A trama se desenvolve na pressão familiar para que o geneticista faça uma análise geral do genoma do filho, em busca de possíveis problemas, de modo que estes problemas possam ser evitados com um ambiente mais apropriado. Resulta que o menino só tem mesmo predisposição para o homossexualismo e a família em questão é composta de pessoas preconceituosas... Dá o que falar uma aula dessas, né?

Voltando para o fundamentalismo, acredito que o "fundamentalismo genético" possa ser ainda mais nocivo que o fundamentalismo religioso. Um outro filme, este bem mais famoso, o GATACA, ataca um pouco melhor este tema... É um tanto exagerado, mas mostra uma sociedade totalmente estratificada, de acordo com habilidades genéticas, geradas por engenharia genética. Os geneticamente "melhores" seriam os merecedores dos melhores empregos, com os melhores salários. O interessante disso tudo, é que esta história é muito parecida com o "admirável mundo novo" de Aldous Huxley, onde as condições ambientais, nos "aquários" onde os embriões humanos eram literalmente cultivados, definiam quem ocuparia qual casta na sociedade. Os embriões que recebiam nutrição adequada, sem álcool ou drogas no aquário durante o desenvolvimento, seriam os cidadãos alfa, os merecedores dos melhores empregos com os melhores salários...

Fechando tudo (menos!), o que eu tenho a dizer é que o fundamentalismo é nocivo, e que precisa ser detectado, para que possamos nos defender disso. Não gostaria de ouvir notícias no Jornal Nacional, de que as pessoas estão sendo discriminadas para exercer uma profissão ou outra por causa de diagnóstico genético... No fundo é tudo a mesma coisa. Para os religiosos, você não tem credibilidade porque não acredita em deus. Para os fundamentalistas genéticos, você não tem credibilidade porque foi sequenciado, no seu genoma, o gene para uma doença qualquer, que poderia limitá-lo em algum momento de sua vida...

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

fundamentalismos...

Num livro de divulgação científica "o que nos faz humanos" de Matt Ridley, eu lembro de ter lido algo sobre a herança do fundamentalismo. Parece que gêmeos idênticos, mesmo que criados separados, têm uma correlação bem alta quanto ao fundamentalismo, de modo que se um deles é fundamentalista (pode ser religioso, político ou de qualquer outra natureza) o outro também será fundamentalista, do mesmo tipo ou de qualquer outro. Ou seja, o que tem grande probabilidade de ser herdado é a postura fundamentalista, e não o foco do fundamentalismo.

Um fundamentalista, até onde eu consigo compreender, é um sujeito que sabe a verdade e que não aceita opiniões contrárias, mesmo que sejam colocadas apenas como opiniões. Um fundamentalista sabe a verdade e esta verdade tem que ser amplamente aceita e aclamada, e coitado de quem tiver coragem de dizer que pensa diferente.

Estou falando disso porque acredito que isso seja muito importante na construção da relação professor-aluno, principalmente se você for professor de evolução. Explico: se você entra numa sala de aula para dar aulas de evolução e tem um estudante fundamentalista, pode ser que você tenha problemas.

O cerne da questão é que alguns segmentos de algumas religiões decretaram que o evolucionismo é ateu e que é o tipo de conhecimento nocivo para suas crianças e seus jovens. O estudante com esse tipo de postura já chega na sala de aula avesso ao aprendizado, já tive casos de estudantes que declararam que iriam "decorar" o que lhes fosse ensinado, que iriam inclusive sair-se muito bem na disciplina, mas sem "acreditar" em nenhuma palavra do que fosse dito.

É importante deixar claro que a evolução, ou qualquer outra teoria científica, não requer que o sujeito creia ou deixe de crer no que quer que seja. A questão é um pouco diferente. Você precisa abrir a sua mente para o fato de que talvez a interferência divina não seja tão grande quanto você imaginava, mas que ela ainda assim, exista (ou não, para o caso dos ateus).

Só pra exemplificar, na idade média a Terra era o centro do Universo, essa era uma verdade consumada, e tinha cunho religioso, já que Deus assim o decidiu. A descoberta de que a Terra não é o centro do universo abalou os alicerces da Igreja, que tentou negar o fato enquanto pôde (inclusive ameaçando queimar o teórico e efetivamente queimando livros e documentos). Não foi por isso, porém, que as pessoas deixaram de ter suas crenças num ser superior que criou o "céu e a Terra"...

Quando Darwin propôs a teoria da evolução, quem saiu do centro da criação foi o Homo sapiens, o que provocou outra fúria por parte das religiões. O homem passou a ser parte de um esquema maior, com parentes próximos vivos que não deixam a menor dúvida do parentesco.

Tirar o homem do centro da criação foi um golpe ainda maior nas religiões. Mas, ainda assim, é possível crer numa divindade criadora do homem. O que quero dizer é que é possível crer em qualquer coisa e mesmo assim conseguir aprender evolução de forma minimamente razoável.

Na minha opinião o grande feito de Darwin para a espécie humana foi retirar a "obrigação" de acreditar em um criador onipresente e onisciente, que criou a tudo e a todos e que tem o controle de todas as situações. O interessante é que você agora é livre para acreditar ou não. Tenho um aluno que afirma que a fé é uma experiência pessoal, e você acredita ou não no que quer que seja pelas experiências que teve em sua vida.

Acho que é isso que mais incomoda aos fundamentalistas: como somos todos livres para pensar como quisermos, sem a obrigação de aceitar verdades pré-concebidas por dogmas religiosos, mais gente passa a pensar de forma diferente, o que, para um fundamentalista é absolutamente insuportável.

Richard Dawkins trata desse assunto de uma forma um pouco diferente. Acredito que tenha apanhado (literalmente) tanto de fundamentalistas religiosos que acabou colocando todos os religiosos e suas respectivas religiões num mesmo balaio, numa espécie de fundamentalismo ateu contra religiões. Não sou tão pessimista. Às vezes até consigo admitir que a religião seja positiva para algumas pessoas. O que é mais importante: respeito as religiões e seus seguidores, tenho numerosos amigos que são religiosos e que também me respeitam na minha falta de religião.

Algumas pessoas, em sua nobre tentativa de converter uma "alma perdida" como a minha são sutis: me mandam "links" da internet, que tratam de evolução x religião sempre atacando a evolução. Outras gastam seu dinheiro me presenteando com livros e publicações dos mais diversos tipos que falam sobre o assunto. Já tive amigos próximos que me disseram para não ler determinados livros (parece coisa da idade média!), pois abalariam ainda mais minhas convicções religiosas (supondo, é claro, que eu tivesse alguma). Até aí, tudo bem. Basta não conversar mais sobre o assunto e as coisas se resolvem. O problema está nos realmente fundamentalistas, que podem chegar a ser agressivos, fazendo ameaças e provocando intrigas. Em casos mais graves, alguns partem inclusive para a agressão física.

Eu não entendia a postura do Dawkins, mas ela começa a fazer mais sentido. Não tem nada pior do que ser ostilisado por pensar de uma maneira ou de outra. Acho inclusive que a atitude dele ao escrever sobre isso em "Deus, um delírio", é muito corajosa, não ficaria surpresa em saber que ele sofreu um atentado a bomba...

Tudo isso é só um desabafo... Será que alguém que nasce fundamentalista não consegue, com a ajuda de seu intelecto (temos um cérebro ENORME), mudar de atitude em relação aos que pensam diferente? Ou será que isso faz parte da natureza humana? A questão seguinte é: seremos para sempre reféns da tal natureza humana ou podemos lutar contra os pontos negativos dela?

Deixo este "post" aqui no blog para o caso de se atacada por algum fundamentalista enfurecido que tenha a convicção de que eu tenha que deixar de estudar e falar de evolução.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

quem começou?

Aqui mesmo no blog, um estudante me questionou: o que será que começou primeiro, os professores ficaram sem vontade de dar aula ou os alunos ficaram sem vontade de estudar?

Difícil de dizer. Posso falar da minha experiência pessoal e do que tenho observado. Cada vez que entro na sala de aula com vontade mesmo de dar aula e encontro uma turma apática, que não está nem um pouco interessada no que tenho a dizer, morre mais um pedaço da professora idealista dentro de mim... Às vezes tenho a impressão de que neste ritmo ela vai definhar e acabar para sempre, e eu vou me transformar num desses professores que contam os dias pra se aposentar.

Vejo alguns dos meus colegas mais velhos, com mais tempo de casa, que são muito difamados pelos estudantes por não terem tolerância com os alunos, e me pergunto se eles, em algum lugar do passado, não eram professores idealistas, que preparavam ótimas aulas e que eram recebidos por turmas apáticas.

Do ponto de vista de um professor iniciante, os estudantes começaram, e que esta atitude não ajuda a ter bons professores...

Por outro lado, me coloco na posição dos alunos, que chegam para assistir aula e são recebidos por um professor cansado e calejado, que está abatido por não ter conseguido manter vivo o ideal de ensinar e que tudo que tem a dizer é que não gostaria de estar naquele ambiente.

Do ponto de vista de um estudante, acho que os professores começaram, e que esta atitude não ajuda a ter estudantes interessados...

Ok, e a história toda, onde começou? Não tenho a menor idéia... Desde sempre eu soube que algumas pessoas gostam de estudar, e o fazem com prazer, enquanto outras detestam a escola desde o princípio.

Será que de uns tempos pra cá temos mais estudantes que detestam a escola assistindo aulas, o que desmotiva os professores e acaba desmotivando os outros estudantes?

Proponho uma solução para o mundo ideal: como todo mundo precisa estudar (pelo menos até terminar o ensino médio - e esta é a minha opinião), seria legal se os estudantes fossem divididos em turmas de gente que gosta de estudar e turmas de gente que não gosta de estudar. O único critério é o estudante declarar no ato da matrícula: gosto ou não gosto de estudar. A idéia é dar um tratamento diferenciado, no sentido de tentar "converter" os que não gostam de estudar. Todos poderiam mudar de turma em qualquer tempo durante o semestre. Uma escola melhor seria aquela com maior aumento na turma dos que gostam de estudar durante o ano.

Na turma dos que não gostam de estudar, a vida seria mais fácil e mais divertida, de modo a garantir que o estudante saia da escola com o mínimo necessário para saber escrever, ter um mínimo de cultura geral e saber fazer contas elementares. Tudo isso é essencial para qualquer tipo de profissão.

Eu sugiro também que as profissões, hoje destinadas a pessoas que não estudaram, comecem a ser exercidas por pessoas que não gostavam de estudar na escola e estavam nestas turmas especiais. Estas profissões também teriam de ser melhor remuneradas do que são hoje, de modo que o sujeito, mesmo sem gostar de estudar, possa dar uma vida digna a suas famílias, sem recorrer à violência, uma saída comum àqueles que não estudaram e não se conformam com uma vida de privações.

Na turma dos que gostam de estudar, as coisas seriam diferentes. Sem a influência daqueles que não suportam os bancos da escola, as aulas renderiam mais, seria possível aprofundar os mais diversos assuntos. Além disso, poderiam ser feitas seções de palestras, com os mais diferentes profissionais, de engenheiros a cientistas, de modo que o estudante pudesse ter uma visão mais abrangente do mundo que terá aos pés mais tarde...

Nesse mundo ideal, as universidades seriam o passo natural na carreira de quem gosta de estudar. As licenciaturas seriam cursadas por pessoas que, além de gostar de estudar, acham que ensinar é muito importante.

Será que neste mundo, os profissionais seriam mais bem formados? Será que neste mundo não seria necessário conviver com estudantes universitários que não sabem sequer porque optaram por um curso ou por outro?

Fica a idéia... Será que daria certo?

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

dou aulas porque gosto, se não gostasse, ganharia dinheiro...

Quarta feira passada começou a minha primeira experiência pra valer com estudantes da licenciatura. Eu tinha feito uma pequena pressão aqui na universidade para esta turma ser exclusiva deles, mas não tive sucesso, então terei que dar estas aulas para uma turma mista (metade licenciandos da biologia e a outra metade estudantes dos mais variados cursos de biológicas e agrárias aqui da UFV - Agronomia, Engenharia Ambiental, Veterinária, Engenharia Florestal e Zootecnia - ou seja, "o samba do crioulo doido").

Estou muito preocupada com a formação destes professores (de professores na verdade). Um dos discursos mais frequentes aqui na universidade a respeito das cotas sociais é: "o governo não devia se preocupar com cotas, e sim com a melhora do ensino fundamental e médio, o que garantiria o acesso de todos à universidade pública".

Vamos por partes: Conversando com os estudantes da licenciatura, eles me contaram que até agora (estão no quarto período do curso) todos os professores que entraram em sala de aula disseram: "eu não gostaria de estar aqui, estou sendo obrigado a dar aulas à noite para vocês". Acredito que eles tenham exagerado, e que não tenham de fato ouvido isso de TODOS os professores. Por outro lado, na minha ingênua concepção de mundo, eles não deveriam ter ouvido isso nunca. Imagine o impacto se você está fazendo um curso noturno (que é um perrengue, convenhamos, ter que ficar todos os dias até as 22:10 assistindo aula!), entra na sala de aula, o professor mal se apresenta e diz logo: "hum, eu estou aqui contra a minha vontade". Será que dá vontade de assistir à aula de uma criatura dessas? Você confiaria a sua educação a alguém que não está com vontade de ensinar? Particularmente, acho que eu não teria a menor vontade de assistir às aulas dessa pessoa...

Bom, se o sujeito que disse que não precisamos de cotas e que o ensino fundamental tem que ser melhorado for o mesmo que entrou para dar aula na licenciatura sem estar com vontade (e pior, disse isso gratuitamente aos alunos), então esse sujeito ainda não percebeu que a formação dos professores, fundamental para melhor o nível dos níveis fundamental e médio, é de responsabilidade dele também.

É isso que eu quero dizer. Tá na hora de tomar para si algumas responsabilidades. É verdade que eu, por melhor que eu fosse, não conseguiria, sozinha, melhorar o nível do ensino médio ou fundamental. Acontece que não me sinto no direito de ficar de braços cruzados esperando que a solução venha de cima (do governo, ou talvez de alguma divindade...).

Acho ótimo que hajam propostas de valorização dos professores. Tenho certeza que é fundamental que os professores sejam melhor remunerados, o que aumentaria a concorrência para os cursos de licenciatura e consequentemente o nível dos licenciados. Parece um plano perfeito para melhorar o nível intelectual do país!!! Mas de que adianta ter estudantes em tese "melhores" que os que temos hoje se os professores destes licenciandos estão desestimulados e com pouca vontade de dar aula?

Na minha opinião, acho que nós que lecionamos na universidade temos um papel fundamental nesse esquema: comparando o nosso salário com o salário dos professores da rede estadual e municipal (pelo menos aqui em Minas), posso dizer, sem medo de errar, que ganho uma pequena fortuna (é claro que se eu comparar o nosso salário com o salário de um doutor numa multinacional, posso dizer que ganho uma miséria). Bom, se eu sou doutora e professora universitária, é porque optei por isso. Dou aula porque é isso que gosto de fazer! Eu também gostaria que todos os professores dessem aulas porque gostam disso, e que ganhassem o suficiente para ter uma vida digna, fazendo o que gostam.

Partindo do princípio que os doutores que estão na universidade não estão fazendo outra coisa mais lucrativa porque não querem, então eu tenho que concluir que todos dão aulas porque gostam e porque querem. Se isso for verdade, por que não compartilhar este gosto com os estudantes?

Mais do que isso, se somos professores universitários e gostamos de dar aulas, temos a obrigação de dar boas aulas, e temos a obrigação de mostrar a nossos alunos que dar aula é uma atividade prazerosa. Temos também que colocar na cabeça de uma vez por todas que as aulas que damos para os licenciandos são as mais importantes que podemos dar na vida. Explico: se dou aula de genética para um estudante do bacharelado que adora genética e que quer estudar isso pro resto da vida, minhas aulas farão pouca diferença (e a minha cara amarrada durante a aula também), porque este estudante já foi estimulado e certamente buscará outras formas de aprender o que eu não fui capaz de ensinar. Certamente este estudante vai muito além da minha aula, e, se por acaso eu disser alguma coisa muito errada, ele vai perceber e isso não fará a menor diferença pra ele.

Por outro lado, se dou aula de genética para um estudante de licenciatura (que terá que aprender de tudo um pouco dentro da biologia para ser um bom professor) chego de cara amarrada e falando besteira, este estudante primeiro vai aprender que dar aulas é um suplício e que é possível fazer de qualquer jeito... Outra consequência é que ele talvez passe a odiar genética, e que portanto não faça a menor questão de aprender genética direito. Se genética fosse uma discplina isolada, um pouco menos mal, mas como é que você vai ser professor de biologia, que tem que ter uma boa noção do geral, e principalmente de evolução, se você não tiver uma base genética bem sólida?

Foi só um desabafo... É que estou cansada de ouvir professor dizer que a pior desgraça que eles têm na vida são os próprios alunos... Se você é doutor e dá aulas numa universidade, certamente tem (ou deveria ter) capacidade para fazer diversas outras coisas, com certeza mais lucrativas... Proponho uma frase pra colocar na camiseta: "dou aula porque gosto, se não gostasse, ganharia dinheiro!". Aceito propostas para melhorar o slogan...

terça-feira, 13 de julho de 2010

o imbecil, o cretino e o estúpido...

Parece ofensivo, mas achei muito produtivo...

Acabei de ler um livro que por puro acaso caiu nas minhas mãos: "Não Contem com o Fim do Livro", de Umberto Eco e Jean-Claude Carrière. Como ambos dispensam apresentações, vamos à parte que me chamou a atenção. Eles escreveram uma série de conversas onde fazem praticamente uma declaração de amor aos livros. São dois bibliófilos, que gastam muito dinheiro para conseguir raridades e falam de algumas delas ao longo do livro.

Em vários pontos do livro, Umberto Eco declara sua paixão pela burrice humana, e declara que se não fosse por ela, nossa história poderia ser muito diferente. Ele declarou ainda que muitos dos documentos (dentre os quais os livros) que chegaram ao nosso conhecimento, foram escritos por imbecis, cretinos e estúpidos. Esta mesma estupidez acabou filtrando o que foi escrito ao longo do tempo, através de atitudes cretinas ou mesmo de atos de vandalismo ou atos políticos de queima de livros (atos de estupidez, ou burrice?)

No trecho que vou transcrever aqui, Eco faz uma distinção entre o imbecil, o cretino e o estúpido...

"O cretino não nos interessa. É aquele que leva a colher à testa em vez de mirar na boca, é quem não compreende o que você lhe diz. Caso encerrado. A imbecilidade, por sua vez, é uma qualidade social, e você pode inclusive chamá-la de outra forma, uma vez que, para alguns "estúpido" e "imbecil" são a mesma coisa. O imbecil é aquele que vai dizer o que não deveria dizer num dado momento. É autor de gafes involuntárias. O estúpido é diferente, seu defeito não é social, mas lógico. À primeira vista, temos a impressão de que raciocina de forma correta.É difícil detectar à primeira vista o que não está batendo direito. Eis por que ele é perigoso."

Carrière completa:

"Pra mim, o estúpido não se contenta em enganar. Ele afirma seu erro em alto e bom som, proclama-o, quer que todos o ouçam. É inclusive surpreendente ver o quanto a estupidez é tonitruante: "Agora sabemos de fonte segura que..." e segue-se uma besteirada."..."Flaubert disse que a burrice é querer concluir. O imbecil pode chegar por si mesmo a soluções peremptórias, definitivas. Ele quer encerrar para sempre determinada questão. Mas essa burrice, frequentemente recebida como verdade por determinada sociedade, é para nós, como o recuo da história, extremamente instrutiva. A história da beleza e da inteligência à qual limitamos nosso ensino, ou melhor, à qual outros limitaram nosso ensino, não passa de uma parte ínfima da atividade humana..."


Depois de muita divagação sobre estúpidos e imbecis, Eco divaga sobre a burrice, que não seria "idêntica à estupidez. Seria antes uma maneira de administrar a estupidez",... "com orgulho e assiduidade".

É muito interessante ler como estes homens das letras tratam destes assuntos de forma despudorada e sem medo de ser politicamente incorretos.Fiquei pensando nas vezes em que me lembro (o cérebro é bastante seletivo neste quesito) de ter atitudes imbecis (nas milhares de manezadas que fiz na vida), e nas vezes que fui de fato estúpida. Esta definição de estupidez pode ser de grande ajuda para evitar novas atitudes estúpidas. A divagação sobre a burrice dói mais ainda, quantos atos estúpidos não foram bem administrados pela minha burrice?

A partir da definição comecei a pensar em todas as pessoas estúpidas que conheço (de fato não são poucas) e a confabular se seus atos estúpidos são pura ignorância ou se esta gente pretende manipular os outros com sua estupidez. É um caso a ser pensado e refletido...

Há quem pense que as definições são inúteis. Eu discordo. Nossa necessidade de nomear todas as coisas é parte da nossa essência. Conhecer determinadas definições pode encurtar minha tristeza em relação às outras pessoas. A definição da estupidez, por exemplo, é uma excelente maneira de me defender contra os estúpidos de plantão, que insistem em conviver comigo. É isso, criei uma nova categoria de pessoas. Antes eu tinha amigos, conhecidos, desconhecidos e inimigos. A partir de agora tenho amigos, conhecidos, desconhecidos, pessoas que considero estúpidas e inimigos. Isso é quase auto-ajuda, sobraram pouquíssimos (se é que soubrou algum) inimigos com quem eu tenha que me preocupar! (Será que isso foi uma estupidez???)

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Seleção (Discriminação) contra o Heterozigoto...

O Jornal da Ciência, publicação da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) publicou hoje o artigo que resolvi copiar e colar a seguir. Este artigo tem muito a ver com temas que são discutidos na sala de aula, principalmente quando falamos de seleção natural.

Ele tem algo mais, porque esbarra na discriminação genética, um novo tipo de preconceito que a sociedade vai ter que começar a encarar. Será necessário que os professores comecem a discutir este tipo de tema com seus estudantes na sala de aula também, a esperança é conseguir eliminar este tipo de preconceito antes que ele cresça na sociedade...


Eliminação de Diarra da Copa: ato de cuidado ou discriminação genética?,
artigo de Cristiano Guedes

"A discriminação genética é a expressão criada para descrever a opressão sofrida por pessoas no mundo do trabalho e no acesso a direitos fundamentais em virtude de características genéticas"

Cristiano Guedes é doutor em Ciências da Saúde e professor da Universidade de Brasília (UnB). Artigo enviado pelo autor ao "JC e-mail":

A seleção francesa estreou na copa da África do Sul sem o jogador Lassana Diarra. O atleta foi eliminado do mundial devido a problemas de saúde que levaram à descoberta da doença genética, a anemia falciforme. Durante os treinos preparatórios nos Alpes Franceses, região com elevadas altitudes, Diarra teria sofrido manifestações clínicas comuns a pessoas com essa doença. De uma só vez, ele ganhou o diagnóstico, a eliminação da copa e a necessidade de um período de descanso para restabelecimento de sua saúde. A eliminação de Diarra da Copa mostra um pouco da vida de pessoas com anemia falciforme pelo mundo.

Descoberta em 1910, esse tipo de anemia afeta o funcionamento das hemácias. Uma das funções das hemácias é o transporte de oxigênio. As pessoas com anemia falciforme possuem hemácias suscetíveis a alterações de formato, o que podem prejudicar o funcionamento do organismo.

Diarra teve problemas intestinais, segundo informações divulgadas pela equipe técnica da seleção francesa. A anemia falciforme também pode causar outros transtornos. A variabilidade clínica é uma das características da doença. Algumas pessoas podem apresentar vários sintomas que exigem tratamentos complexos, de transfusões sanguíneas a cirurgias. Porém, existem casos em que as consequências são raras e por essa razão o diagnóstico pode jamais ser feito ou ocorrer tardiamente. Esse parece ser o caso de Diarra.

Desde 2001, as maternidades brasileiras usam o teste do pezinho para diagnosticar a anemia falciforme. O exame precoce é importante porque as crianças com anemia falciforme são mais vulneráveis a doenças, necessitam de acompanhamento e tratamento específicos, como o acesso a medicamentos e vacinas adicionais não disponibilizadas a população em geral.

A cura para a anemia falciforme ainda não existe, mas o acompanhamento precoce é capaz de reduzir ou impedir suas manifestações e, consequentemente, elevar a expectativa de vida. Tanto o diagnóstico quanto o tratamento precoces apresentam baixos custos se comparados aos gastos para tratar as manifestações clínicas.

Apesar disso, nem todos os países possuem um sistema gratuito com acesso universal e enxergam a doença como uma prioridade na agenda de saúde pública, como o Brasil. Os serviços de diagnóstico e tratamento são escassos ou não existem, por exemplo, no continente africano, onde Diarra nasceu e existe a maior parcela mundial de pessoas vivendo com anemia falciforme.

A anemia falciforme é mais frequente entre pessoas negras e pode ter surgido no continente africano, de onde teria se disseminado mundialmente por meio do tráfico de escravos e se tornado uma questão de saúde pública de interesse comum.

No campo científico, os avanços na área do genoma humano sinalizam para novas possibilidades de tratamento e até mesmo a possibilidade de cura em longo prazo. Na esfera política, as medidas envolvendo a anemia falciforme também amadureceram.

Na década de 1970, países como os Estados Unidos criaram programas populacionais para testar e identificar precocemente pessoas com anemia falciforme. Os programas de testes não asseguravam tratamento e nem preservavam o sigilo em torno da identidade de quem era identificado. Consequentemente, as pessoas identificadas pelo governo estadunidense sofriam discriminação no mercado de trabalho, nos planos de saúde e seguros de vida.

O movimento negro de lá tornou-se um questionador dos programas de testagem em massa para anemia falciforme e passou a exigir a criação de protocolos de atendimento pautada pela observância de direitos humanos.

O episódio envolvendo o jogador Diarra pode ser considerado um convite à reflexão. É preciso analisar em que medida a humanidade conseguiu avançar na compreensão da doença e reconhecimento dos direitos das pessoas com anemia falciforme. Diarra personifica uma série de questões aos cientistas, profissionais de saúde, técnicos esportivos e elaboradores de políticas públicas: quais seriam os reais limites de uma pessoa vivendo com a anemia falciforme? Como explicar a trajetória profissional de um dos melhores jogadores de futebol do mundo apesar da anemia falciforme? Todas as pessoas com anemia falciforme devem ser privadas da prática de atividades esportivas profissionais e participação em campeonatos internacionais? A quem interessa o resultado de diagnóstico da anemia falciforme e como deve ser divulgado de modo a preservar a identidade das pessoas com a doença e ao mesmo tempo assegurar tratamento e acompanhamento necessário? Quais são os fatos e os mitos sobre a doença e como lidar com eles?

Essas perguntas precisam ser consideradas, sob pena de se cometerem injustiças. A eliminação de Diarra da seleção francesa pode ser descrita tanto como um ato de cuidado em saúde como também um ato de discriminação genética.

A discriminação genética é a expressão criada para descrever a opressão sofrida por pessoas no mundo do trabalho e no acesso a direitos fundamentais em virtude de características genéticas que possuem. Alguns têm sido discriminados no mundo do trabalho, onde são impedidos de ingressar como trabalhadores ou despedidos quando se descobre uma característica e/ou doença genética.

Algumas das doenças e traços genéticos não trazem nenhuma implicação imediata para as atividades laborais. Outras pessoas submetidas a testes são explorados por empresas de seguro de vida ou planos de saúde que enxergam no dado genético uma razão para elevar os preços cobrados ou mesmo impedir o ingresso.

Para se combater o fenômeno da discriminação genética, vários países tem investido na criação de leis com o objetivo específico de disciplinar o uso da informação genética e preservar os direitos de pessoas submetidas a testes. No Brasil, ainda são poucos os relatos sobre o fenômeno da discriminação genética e, no Congresso Nacional, existe um projeto de lei que há anos é debatido entre os parlamentares.

O episódio envolvendo a eliminação do jogador Diarra ainda não acabou. Devemos acompanhar qual será a atitude do Real Madrid em relação ao destacado jogador de meio-campo. Independentemente das decisões do clube espanhol, uma lição pode ser aprendida: é preciso cuidado com as profecias genéticas. Diarra e sua trajetória de sucesso no futebol mundial revelam as possibilidades e as potencialidades de uma vida com (ou apesar da) anemia falciforme".

sábado, 26 de junho de 2010

Ética em Debate...

Este semestre tomei coragem e montei uma disciplina que pretendia discutir ética. Como não tenho formação em filosofia, também não me meti a dar aulas sobre o assunto. Optei por separar alguns textos que já tinha lido e que na minha opinião tocavam no assunto.

Tive três estudantes matriculados e dois ouvintes, que apareciam, toda quinta-feira de manhã com o texto lido (ou não), para discutir ética com dois professores, um colega e eu.

As discussões foram extremamente proveitosas, pelo menos para mim, apesar de já conhecer anteriormente os textos. É muito interessante constatar que cada pessoa que lê um texto interpreta coisas distintas e destaca pontos diferentes. Além disso, a discussão sempre enveredava por vias imprevisíveis, muitas vezes mais enriquecedoras que o texto em si.

Um dos temas que mais apareceram foi a velha discussão ciência x religião. Só para situar o leitor, todos os estudantes são da biologia, e já estudaram evolução, o que em geral dá um nó na cabeça dos estudantes religiosos menos convictos. Muitos autores que falam sobre ciência para o público leigo vêm se posicionando sobre este tema espinhoso, alguns com mais cuidado, outros com mais agressividade.

Para minha sorte, um dos estudantes matriculados é bastante religioso, alguém que conhece de fato as sagradas escrituras e rebate como ninguém comentários ateus de alguns dos textos que acabamos estudando.

Quinta passada foi nosso último encontro, que fechou com um texto na minha opinião maravilhoso de Bertrand Russell, "Por que não sou cristão". A discussão que rolou obviamente derivou para milhares de caminhos. Fizemos vários comentários e passei a respeitar muito mais os religiosos estudiosos.

No final das contas, discutimos ética no comportamento humano, principalmente no que tange relações de poder, entre as quais as relações pastor-fiel e professor-aluno. Eu cheguei à conclusão, depois de toda a discussão, que o conhecimento é o melhor antídoto contra a falta de ética.

O que ficou de lição para mim, é que se há falta de ética por parte de quem detém algum poder (por exemplo, pastores de igrejas caça-níqueis), há falta de conhecimento por quem se deixa levar (por exemplo, pessoas desesperadas que não tiveram acesso ao conhecimento).

Aprendi também que não é anti-ético posicionar-me sobre assuntos polêmicos diante de estudantes, desde que este posicionamento seja honesto e, principalmente, não tenha caráter doutrinador. Já tive muitas dúvidas em relação a isso, e já adotei a postura de manter-me neutra (como se isso fosse possível) a respeito de temas polêmicos.

O importante, no fim das contas, para manter uma postura ética, é respeitar as diferenças, e tentar driblar as limitações (as minhas, e na medida do possível de outros, através da transmissão de conhecimento). Mais importante ainda, é estimular nos estudantes comportamentos de respeito a toda e qualquer diferença entre as pessoas. Acredito que assim o mundo fica melhor, ou pelo menos mais ético.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Ainda mais lamentável...

Mesmo depois de ter discutido com meus alunos o papel lamentável que fizeram ao copiar os testes que deveriam ter sido usados para aprender a matéria (um recurso didático, que poderia ser melhor aproveitado), ainda tenho que pedir silêncio na sala de aula...

Já me disseram que este esquema de aulas está fadado ao fracasso: estudantes todos sentadinhos escutando o que o professor tem a dizer. Disseram que a cabeça deles funciona diferente da nossa, que são cidadãos multi-tarefa, capazes de abrir milhares de "janelas" ao mesmo tempo e prestar atenção a todas elas, ao mesmo tempo, agora!

Será???

Outro dia tive que pedir licença para uma estudante que estava assistindo aula com um notebook ligado, de modo que ela não me via. Quando perguntei o que estava fazendo, disse que estava acompanhando a minha aula e olhando outros sites. Fico me perguntando se dá pra aprender desse jeito...

Ok, partamos do princípio que dá pra aprender deste jeito. Como é que eu, que tenho uma cabeça uni-tarefa, conseguirei avaliar uma turma inteira (60 de cada vez) de cidadãos multi-tarefa? Já disse e vou repetir sempre: sou contra provas, não acho que provas sejam indicativo de coisa alguma. No entanto, quando tentei outro tipo de avaliação fui surpreendida por uma falta de honestidade horripilante... Alguém tem uma solução para o meu problema que não seja desencantar com o ensino, largar tudo e ir vender melancia na praia?

Outro dia assisti a uma palestra bastante edificante de um professor aqui da universidade. Ele fez um apanhado de dados ao redor do mundo, e constatou que os jovens de hoje, até completar 30 anos, terão passado por pelo menos 14 empregos diferentes... O que raios isso significa?

Estou perdida neste mundo multi-mídia, de pessoas multi-tarefa, que conseguem pensar em futebol, novela, big-brother, dinheiro, fama, amigos, formas de colar nas provas, como copiar exercícios, como engabelar os outros...

A minha pobre mente uni-tarefa já tem que preparar aula, pedir silêncio, preparar provas, corrigir provas, cuidar dos trabalhos que tenho que escrever e ainda lamentar a existência de pessoas multi-tarefa... Estou ficando estressada com isso...

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Lamentável mas real...

Este é um desabafo voltado aos meus alunos... Sempre pensei na educação como uma ferramenta na formação de pessoas pensantes (adoro ler o que Bertrand Russel - leia o artigo "A liberdade e as faculdades" disse a respeito disso) e não de uma manada de intolerantes. Será que eu consigo?

Como sempre fui contra a avaliação simplesmente por provas (na verdade sou contra provas de maneira geral) e não consigo me livrar delas por razões práticas e institucionais, decidi aliviar as notas das provas, propondo atividades semanais.

Estas atividades consistem na utilização de uma ferramenta de estudo à distância desenvolvida pela universidade onde trabalho. A idéia é que um estudante assista à aula, e, após isso, tenha a oportunidade de responder questões bastante simples sobre a mesma. Isso tem o objetivo de fazer com que ele teste seus conhecimentos, teste o que aprendeu na aula e tenha a oportunidade de buscar nos livros, ou mesmo na internet, respostas que o façam refletir sobre o assunto, ligar com o tema da aula e responder às questões. Pra isso, o teste fica uma semana disponível. Pode ser aberto, lido, copiado ou impresso. O estudante pode passar uma semana com ele, buscando respostas, perguntando para os colegas, o que for!!! Estes pequenos testes valem pontos (um ou dois pontos na média final). O teste é optativo, caso o estudante opte por responder, será avaliado, se acertar 80% de um teste que vale um ponto, terá 0,8 garantidos na nota final. A prova deste estudante, ao invés de valer 33 pontos como o usual, valerá apenas 32(Se tirar nota máxima, terá 32,8). Com uma média de 10 testes por bloco da disciplina, dá pra ter 10 pontos garantidos...

O que aconteceu? Alguns testes foram resolvidos na base do chute (marca-se V ou F de qualquer maneira, média de 50% de acerto conforme esperado). Outros testes foram respondidos integralmente, com média de 100%. Para minha surpresa, os testes bem resolvidos estavam com o gabarito impresso no xerox que os estudantes têm acesso...

Para que serviu? Pra professora (eu)aprender que não dá pra confiar nem nos seus estudantes... O problema disso??? Será que o país do futuro tem alguma chance real de ser melhor do que o do presente?

Pra completar a tristeza geral, 50% da turma teve rendimento ABAIXO de 50% na prova, que tinha exercícios muito parecidos aos propostos nos testes... Ou seja, os testes, mesmo que resolvidos com honestidade, não devem ter servido para ir bem na prova...

Todos os meus estudantes são adultos, certamente todos são eleitores, estudam numa instituição pública, gratuitamente. Alguns deles certamente fizeram as coisas corretamente, não conseguiram acertar tudo na prova talvez por nervosismo, ou falta de confiança em si mesmos (o que é bastante comum entre estudantes).

E os que copiaram as respostas deliberadamente? E os que fizeram tentativas inúteis de colar as respostas dos colegas durante a prova (o que é péssimo, uma vez que faço 4 provas diferentes, de modo que a resposta da prova do colega não é a resposta da sua prova)? Estou preocupada. Se por um lado acho injusta a avaliação de uma matéria extensa como a genética em apenas três provas, e acho que eles teriam direito a avaliações intermediárias, por outro não confio na maioria dos meus alunos...

Tem um tema muito mais sério aí. Será que eu, na tentativa de ajudar, estimulei um comportamento corrupto em meus alunos, uma vez que se sentiram à vontade em copiar as respostas dos colegas? Será que com isso estou mostrando que este tipo de comportamento vale a pena e que o mundo é mesmo dos espertos?

Sempre me irritei muito com regras absurdas que só burocratizam desnecessariamente trâmites que seriam muito mais tranquilos, não fosse a necessidade de vigilância. Sempre me senti injustiçada, mas começo a concordar que, para a maioria das pessoas, se não houver vigilância estrita, não há a menor possibilidade de que sejam honestas...

O gráfico abaixo mostra o rendimento das notas dos testes feitos na internet no eixo X (valendo no máximo 10 pontos), e a percentagem do rendimento na prova no eixo Y. Sem considerar os alunos que não responderam a nenhum dos testes (que têm zero na nota dos testes), tive uma correlação muito baixa e não significativa (R = 0.08, p = 0.55). Considerando estes alunos, a correlação aumentou um pouco, mas continuou não significativa (R = 0.21, p = 0.1). Quem entende um pouquinho de estatística já entendeu do que estou falando...



Resolvi tentar propiciar uma discussão a respeito disso neste fórum, e vou tentar fazer o mesmo na sala de aula. Qual a função dos professores? Qual a função dos estudantes? É justo estar numa universidade e agir de má fé? Tentando amenizar a barra dos alunos: este tipo de atitude não é tão corrupta assim? Diante disso, existem níveis aceitáveis de corrupção, ou uma vez corrupto, sempre corrupto?

Já fiz também uma auto-crítica em relação a isto... Já colei em prova, já entreguei, desesperada, uma lista de exercícios em parte copiada por incompetência ou falta de tempo de buscar as respostas corretas em algum momento. Isso acontece, faz parte da vida de estudante... No caso dos testes on-line que propuz é diferente... Os estudantes tiveram tempo de sobra pra fazer um ou outro teste. Eles tinham a opção de não fazer teste algum, e arriscar a nota toda na prova. Eles tinham, sobretudo, a informação de que os gabaritos das provas eram diferentes, e mesmo assim colaram uns dos outros... O que exatamente está acontecendo? Tenho o direito de me omitir ou tenho a obrigação de chamar a atenção dos estudantes? Já fui pega num caso de cola, nunca passei tanta vergonha na minha vida... O pior mesmo foi encarar a professora que tinha uma prova incontestável da falta de honestidade. O remédio foi aceitar a punição e ralar o resto do semestre pra recuperar a nota, e consegui!!! Pra mim foi fundamental ter passado por isso, hoje sou capaz de olhar para a situação e visualizar mais de um ponto de vista (ou seja, de juiz e de réu).

Será que é isso que tenho que fazer? Fazer o aluno passar uma vergonha danada de ter agido desse jeito? Vou deixar esse texto aqui, se você for meu aluno e quiser opinar, fique à vontade, o depoimento pode ser anônimo... Se quiser conversar sobre isso, estou à disposição também. Se você não for meu aluno e quiser comentar, seja bem vindo, preciso de sugestões...

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Talvez, pensando bem...

Na linha "não há o que comemorar este ano", até que comecei bem... Apesar das postagens pessimistas a respeito do mundo, o meu pequeno mundinho (aquele que gira em torno do meu umbigo) estava bem, até ontem, meu último dia de férias.

Depois de dirigir umas 9 horas, entrei errado numa curva, meu carro deu umas três voltas, subiu num barranco e caiu de cabeça pra baixo. Descobri que a verdadeira utilidade do cinto de segurança não é evitar uma multa e sim evitar que você dê de cara com o vidro do carro, ou que caia de mau jeito no teto do seu carro ou sei lá mais o quê... Só sei que fiquei suspensa pelo cinto como se estivesse presa um pára-quedas, ou num colete de mergulho que insiste em te puxar pra cima quando você gostaria de descer mais, ufa, ainda bem!

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Parece que ainda não dá pra comemorar...

Fala sério, desde que tentei começar a listar os acontecimentos do ano ainda não deu pra listar nada de bom! Tomara que melhore daqui pra frente. Prometo desejar feliz ano novo a todos assim que der...

sábado, 2 de janeiro de 2010

Feliz Ano Novo pra quem puder...

Pois é, vou tentar ser mais frequente aqui no blog pra variar... Tinha até feito uma promessa de ano novo: registrar no blog as coisas de fato importantes que aconteceram nas diferentes datas pra depois poder fazer retrospectiva. Um pensamento meio doido, eu concordo: escrever sobre hoje pra quando hoje for ontem, e ano passado, e na década passada...

Bom, eu queria ver até quando poderia só dar notícias boas, mas a minha esperança ruiu logo no primeiro dia do ano, como não poderia deixar de ser: verão no Brasil significa chuvas em vários lugares e desgraças por causa delas.

É uma pena, estamos no dia 2 de janeiro e não dá pra ligar a televisão sem ouvir falar da tragédia em Angra e na Ilha Grande, um lugar tão querido pra mim... É diferente ouvir falar de desgraça de um lugar que você conhece do que ouvir a mesma desgraça em algum lugar lá longe, que você nunca esteve. Quando se trata de ter alguém conhecido, a coisa piora muito...

Não, não conhecia ninguém que estava lá, pelo menos que eu saiba. Mas dá um aperto no peito saber que pessoas morreram afogadas em lama, sem poder fazer nada. Essa impotência diante da natureza é desesperadora e confirma a nossa fragilidade.