domingo, 22 de junho de 2014

Ensinar, aprender, me jogar pela janela...

Não sei quem disse que ninguém ensina nada pra ninguém. Eventualmente alguém aprende, mas só aprende quem quer... Nessas, ser professor pode ser um pouco ingrato: você prepara a aula, pensa no melhor jeito de abordar um determinado assunto, se coloca no lugar de quem nunca ouviu falar daquele tema e chega na sala de aula crente que vai arrasar e sai arrasada porque ninguém deu muita bola, parece que você nem passou por lá.

No começo do semestre sempre acredito que vai ser melhor que o anterior, que os alunos são mais interessados e que dessa vez vai dar tudo certo, vou conseguir atingir a pelo menos 70 % da turma... Depois de corrigir a primeira prova, um choque de realidade:  a maioria não entendeu, não estudou ou não estava nem aí... (não entendo porque me choco, até as cobaias do Pavlov aprenderam a associar campainhas a choques, porque ainda não associei turmas de genética ou evolução a choques?). Me lembro de odiar (do verbo não querer nem saber de) várias das disciplinas que fiz no curso de biologia, mas de estudar só pra me livrar delas (não queria nem conceber a hipótese de reprovar numa disciplina odiosa, imagine ter que fazer tudo de novo!). Lembro também de não entender para quê poderia servir estudar um ou outro assunto (na verdade um monte deles), mas de ser apaixonada por certos assuntos, a ponto de ler, estudar, tentar ir a congressos e encher o saco de alguns professores.

Pra que serve um professor? Começo a me perguntar no meio do semestre. A pergunta fica me azucrinando as ideias até o fim do ano, quando chego à conclusão de que um professor não serve pra nada. Veja bem, tudo o que estou habilitada a ensinar está nos livros ou nos artigos. Então tenho duas respostas:

  1. Um professor não serve pra nada porque quem realmente quer saber, estuda e aprende, não precisa do professor;
  2. Um professor não serve pra nada porque quem não quer aprender, não vai aprender de jeito nenhum, por mais esforço que o professor faça.
Será que a profissão de professor está em extinção? Pode ser que essa geração não precise mesmo de professores. A impressão que tenho é que todos se sentem geniais e que nasceram sabendo tudo o que precisam para exercer suas profissões. Só não vejo a prática disso, não vejo autodidatas que estão na universidade só pra ter o diploma, mas que se viram sozinhos e que conseguem bons resultados nas provas só porque sabem que é uma etapa importante a ser cumprida. Isso era o mínimo que eu esperava de um gênio que foi obrigado a entrar na universidade para poder ter o direito legal de exercer a profissão de biólogo. Tive muitos colegas assim: passavam na maioria das disciplinas aos trancos e barrancos porque as odiavam mas sabiam que precisavam delas para obter o diploma. Hoje são excelentes pesquisadores. A diferença que vejo entre meus colegas e meus alunos é a dedicação ao que realmente gostam. Se são excelentes pesquisadores é porque gostavam sim da biologia, não de toda a biologia, mas de uma parte dela, uma parte importante, sem a qual não faria sentido cursar biologia. Simples assim!

Sim, estou em crise. Vejo esforços por parte do governo em fazer mais gente entrar na universidade, mas infelizmente vejo pouca gente se perguntando se realmente quer entrar na universidade. Já conversei com alunos que me disseram que entraram na biologia porque tinham nota para entrar, mas não era bem isso que queriam ou nem tinham decidido nada ainda (e não decidiram até agora). Sim, sou a favor dessa política, pra mim, quanto mais gente entrar na universidade, melhor (melhor pro país, melhor para as pessoas, melhor!) Eu só gostaria de sugerir que os candidatos assinassem um papel dizendo que realmente querem cursar o que escolheram __parece cretino, se eles escolheram é porque querem, certo? Tenho dúvidas...

Estou carente de gente apaixonada pela biologia, gente que topa fazer um curso com 70% de matérias chatas só pra poder ser biólogo e se dedicar ao que quer fazer. Gente que se comova com a beleza e com as incertezas. Estou carente de gente dedicada, que tem brilho nos olhos e sede de saber, só por saber mesmo, por satisfação intelectual. Bobagens? Talvez!

Sim, tenho alunos bons, de quem sempre me lembro em momentos de crise, mas que agora estão atrás da cortina de tristeza que eu fechei por um tempo. Fora das crises me convenço de que é só um problema de idade (a minha, que não para de avançar e a deles, que é sempre a mesma) e de maturidade (minha, que não aprendo a lidar com frustrações, e deles, que ainda não perceberam que estão perdendo tempo). Dentro das crises me convenço de que sou eu que estou perdendo tempo, minha vida está passando e eu posando de figurante na profissão que escolhi. Não seria o caso de mudar de profissão? 

A crise passa, eu sei. Todo ano, mais ou menos entre a segunda e a terceira prova, me torno uma pessoa pessimista, que quer se jogar pela janela. O melhor de tudo é que vem a terceira prova, depois a prova final e o jogo recomeça. O novo semestre chega e eu me convenço que essa turma vai ser melhor que as outras, e que finalmente vou fazer diferença na formação de alguém. É mesmo verdade que só aprende quem quer aprender e eu me recuso a aprender que minha profissão está em extinção e que ninguém mais quer aprender nada comigo... O dia que aprender, juro, saio pela porta e vou arrumar outra coisa pra fazer.