sexta-feira, 29 de junho de 2007

Cotas e racismo. Mais sobre cotas nas universidades...

Recebi hoje o comentário de um colega, o Hermes Medeiros, pesquisador do Museu Emílio Goeldi no Pará. Resolvi transcrever o comentário aqui porque acho que ele tem uma idéia muito clara do que é racismo e de como as cotas o refletem. Tomara que sirva pra refletir um pouco mais sobre o tema.

"Oi karlinha,

Vou dar uns pitacos também. Acho que a cota associada a “raça” pode ser resumida como “atribuir um favorecimento a alguém com base em sua “raça”” o que inevitavelmente implica em “desfavorecer alguém com base em sua “raça””. Isto é racismo. Aqui não estou colocando minha opinião. É o que a palavra racismo significa!
Não existe racismo positivo. Em qualquer sociedade racista sempre poderíamos achar pessoas inteligentes que argumentariam bem em favor de seu ponto de vista. Seria possível, por exemplo, argumentar a favor da necessidade econômica da escravidão, por exemplo. O problema não é o racismo negativo, mas o racismo. Estávamos experimentando uma diminuição do racismo, como podemos observar comparando as opiniões de pessoas de diferentes idades.
Esta iniciativa de “racismo positivo” é um grande retrocesso, nos obrigando a discutir inclusive métodos para determinar a raça de cada um de nós; quando a tendência natural seria colocarmos a cor como mais um de tantos aspectos que variam entre nós, como estatura e peso. O que está mais de acordo com os resultados obtidos pelos estudos de genética.
Um argumento a favor das cotas é de que a falta de oportunidade passa de uma geração para outra. Consequentemente as crianças não nascem com oportunidades iguais. Também não aceito que as cotas por “raça” sejam a forma certa de tratar isto. Neste país nascem crianças sem oportunidade de estudar de todas as cores, porque descendem de escravos, porque descendem de retirantes da seca, porque são filhos de alcoólatras, entre outros. As cotas atendem uma destas categorias em detrimento das outras. Para aquele, que por sua cor não entra na cota, mas, como a maioria dos brasileiros, não teve acesso a uma boa escola, a universidade fica ainda mais difícil.
O que fazer então com relação à associação entre cor e renda? Simples. Esquecer a cor. A história deixa associações entre variáveis genéticas e econômicas/culturais no mundo todo. O problema não é o negro sem oportunidade, mas o homem sem oportunidade.
E o que fazer contra o racismo? Marcação cerrada diretamente em cima dele. E não vamos deixar este trabalho só para o estado. Você tem um amigo racista? Você tolera comentários racistas? Eu só tolero, ainda que detestando, o racismo em pessoas com mais de 50 anos, pois eles foram formados em sociedade diferente da minha e que um dia vai ser substituída. Quando encontro uma pessoa jovem racista (ou com qualquer outro preconceito ridículo), vejo isto como um indicador de mal-caratismo e tendo a excluir no meu convívio, além de criticar na hora sempre que possível, claro. É meu critério".

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Nós e lixo...

Há algum tempo li um texto do Gould falando de evolução (claro!) e do quão pouco parcimoniosa é a natureza. Com sua erudição ímpar, ele citou, além de exemplos biológicos, várias obras de arte e aspectos culturais, e, como sempre deixou o texto esplendido. Neste texto em especial (que agora não lembro o título, mas quando lembrar, farei questão de colocar uma cópia aqui), ele comparou a eficiência das bactérias à eficiência dos japoneses e atribuiu estas eficiências à simplicidade das bactérias e à falta de criatividade dos japoneses (ok, é uma visão estereotipada, mas se justifica na fama e fortuna que os japoneses fizeram ao miniaturizar e turbinar cacarecos eletrônicos inventados por outros povos). Continuando o paralelo, Gould falou também da necessidade de se fazer coisas inúteis, que não necessariamente gerem produção em curto prazo. A capacidade de fazer coisas inúteis, ou passar um tempo no ócio (no sentido da falta de produção) segundo ele, incentiva a porção criativa das pessoas, aquela capaz de criar, de fazer arte, de levantar boas hipóteses etc. Aí ele entra com a melhor das comparações: bactérias são eficientes o suficiente para não desperdiçar energia duplicando um genoma enorme cheio de DNA "lixo". Se pegarmos os genomas de eucariotos, grande parte dele não codifica proteínas, e, portanto, era até bem pouco tempo considerado DNA lixo... Em compensação, as bactérias continuam sendo seres muito simples, enquanto que os eucariotos, com todo o material genético inútil que armazenaram, conseguiram se tornar mais complexos.

Gould argumentou que a evolução de organismos complexos se deveu em parte à duplicação de genes e de pedaços de DNA. Uma vez que um gene é duplicado, podem acontecer três coisas diferentes: 1) O organismo passa a ter 2 genes que produzem exatamente a mesma proteína; 2) Com o tempo uma das cópias pode sofrer uma mutação qualquer e deixar de funcionar, tornando-se um pseudo-gene, que, como não tem função, vai acumular cada vez mais mutações e tende a se tornar parte do lixo no genoma; e 3) Uma das cópias pode sofrer mutações e mudar de função. Esta terceira opção deve ser de longe a menos provável, mas como estamos no planeta (nós, os seres vivos) há mais ou menos 4 bilhões de anos, quase tudo pode ter acontecido, e esta pode ter sido a grande responsável pela diversificação dos eucariotos, já que permitiu o surgimento de novas proteínas, e portanto o aumento de complexidade e adaptabilidade a mais ambientes...

Tudo isso muito encaixado no meu raciocínio pra lá de simplista até aqui. Acho que dava pra ir além, já que pela teoria da seleção natural, não consigo ver como retirar o lixo do genoma, já que organismos que possuem o lixo não devem deixar mais descendentes que os que não têm. Então genomas de eucariotos seriam grandes depósitos de cadáveres de genes que se acumularam ao longo da evolução.

É claro que eu não ignorava a existência dos RNAs, mas até então, pensava neles como mais uma classe de ferramentas que a célula usa para construir as proteínas (RNA mensageiro, transportador e ribossomal, pra citar os exemplos mais conhecidos).

O estudo de 1% do genoma humano e a comparação deste fragmento com o genoma de diversas outras espécies de eucariotos deu um nó na minha cabeça. Este 1% parece ter seqüências não codificadoras de proteínas que são mais conservadas entre os mamíferos que algumas seqüências codificadoras. Isto significa que estas partes não codificadoras devem ter alguma função muito importante. A outra descoberta é que uma porção muito maior do que se pensava do DNA é transcrita em RNAs, que devem ter funções de regulação da expressão gênica. Este trabalho certamente reduz a proporção do DNA que pode ser considerado lixo no genoma de eucariotos. Será que o estudo dos outros 99% vai mostrar que o genoma não acumula por muito tempo cadáveres de genes, e que os pseudo-genes são seqüências que tendem a sair do genoma? Vou ter que esperar pra ver as cenas dos próximos capítulos. Por enquanto me agarro à esperança de que boa parte dos genomas dos eucariotos seja lixo mesmo, como eu pensava antes. (Bom, agora eu coloquei humildemente a minha cara a tapa! Estou preparada, tomara que este post bata recordes de comentários no meu tão obscuro blog...)

domingo, 24 de junho de 2007

Vai fazer, faz direito!

Gostaria que este fórum fosse apenas para falar de idéias boas e de discussões produtivas que tive com meus alunos em minha sala. Mas como no mundo real nem tudo são flores (e a minha sala infelizmente se situa nesse mundo), resolvi usar este fórum para discutir um assunto que anda me tirando o sono...

Uma das coisas que mais me irritam no momento é ver alunos inventando desculpa esfarrapada pra não assistir aula e pra justificar, sabe-se lá por que, o fato de não terem assistido uma aula e da assinatura deles estar mágicamente estampada na lista de chamada. "Sabe como é, né professora? Todo mundo faz isso...". No primeiro dia de aula eu disse que não reprovava ninguém por falta, só por incompetência. Claro, esses alunos também não apareceram no primeiro dia, mas tudo bem... (gostaria de informar que só aconteceu isso porque os alunos assinaram um acordo de fazer mais uma prova, e eu disse que esta só aconteceria se todos assinassem, com isso, alguns faltosos me procuraram para assinar a lista e surpresa: já estava assinada...)

O problema não é bem faltar, ou pedir pra alguém assinar a lista que eu tenho que passar por questões burocráticas. O problema é tentar justificar o injustificável com insinuações do tipo: _"Sabe professora, o tipo de professores que temos aqui reflete em nosso comportamento..." Como assim?, pergunto eu, atônita. "_Aposto que a maioria dos professores que dão aula aqui também faltavam aulas como eu". Tá, tudo bem, todo mundo já faltou aulas, mas justificar uma atitude com outra do passado do seu professor não é um pouco demais? Por quê um aluno universitário, adulto e dono do próprio nariz não é capaz de assumir que faltou porque não estava com vontade de assistir à aula, seja porque a aula é ruim, ou repetitiva, ou simplesmente porque ele não tem nenhum interesse na matéria em questão?

A cultura que se criou por aqui, e que talvez seja coisa antiga, é: "não faço o que tenho que fazer, mas alguém sempre assina pra mim, de modo que, para fins burocráticos, fique registrado que fiz". Isso me lembra os deputados na época do Geton (alguém aí sabe se ainda existe?). Os deputados votavam pressionando botões num painel eletrônico, e quando um deputado faltava ao plenário, o "coleguinha" do lado votava por ele, de modo que ele não perdia o adicional (o tal do Geton) que ganhava só por comparecer (ou não!). Quando um aluno perde uma aula, problema dele, quem corre o risco de perder alguma coisa é ele mesmo, mas quando um deputado falta ao plenário e deixa que outro vote por ele, pode estar prejudicando seus eleitores.

Voltando aos alunos: não acho que as aulas sejam essenciais, elas deveriam servir de guia de estudos, para nortear o que deve ser estudado. As aulas também poderiam ser um momento em que o aluno pode sanar dúvidas e discutir certos pontos. De qualquer forma, se o aluno é capaz de aprender as coisas por conta, em princípio não precisa assistir a nenhuma aula, desde que seja capaz de ser aprovado nas provas. O problema é que boa parte dos alunos que falta em geral não é capaz de fazer as provas, o que resulta em mais tempo ocupando uma vaga na universidade, o que onera o estado no caso das universidades públicas. Ou seja, quando não tem competência pra estudar por conta e mesmo assim falta, o sujeito não está mais só se prejudicando, está onerando o estado, consumindo à toa o seu dinheiro, caro leitor, o meu e o dele mesmo. Minha sugestão é a seguinte: você acha que está perdendo tempo assistindo aula? Não assista, você tem o direito de economizar o seu tempo e o do professor. Mas por favor, use esse tempo pra estudar, mas estude direito e dê um jeito de ser aprovado, de preferência logo!

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Críticas, vaidades e verdades...

Cada dia eu me convenço mais que ninguém gosta de ser criticado. Alunos não gostam das críticas dos professores, que não gostam de ser criticados pelos alunos. Quando os pesquisadores mandam seus trabalhos para publicação, também não gostam das críticas dos revisores das revistas especializadas.

A ciência só funciona porque é constantemente criticada. Cada idéia, cada projeto, cada resultado, cada conclusão deveria ser duramente criticada, em todos os estágios até que o trabalho fique pronto. É isso que garante a credibilidade de um trabalho, já que à luz das críticas ao longo do processo os eventuais erros são sanados, de forma que não comprometam as conclusões e discussões.

A educação deveria tomar o mesmo rumo. As críticas deveriam fazer o processo fluir melhor, de modo que o canal de comunicação entre professores e alunos ficasse mais aberto, o que ajudaria a melhorar nosso produto: pessoas cada vez melhores no que fazem.

O problema é que somos todos seres humanos, e como tal, temos nossas vaidades, nossas suscetibilidades. Esta semana ouvi vários casos de críticas que infelizmente foram mal recebidas, em parte porque foram mal feitas e em parte por causa das vaidades e suscetibilidades dos criticados. É preciso lembrar que pesquisadores e professores são pessoas mais vaidosas que a média da população. Veja bem: ganham menos do que gostariam e, salvo em raríssimos casos, não alcançam fama. Com isso, só trabalha nisso quem gosta, e em geral essas pessoas cultivam pequenas vaidades: de ser um bom pesquisador (que aflora quando um trabalho é aceito em uma boa revista) ou um bom professor (que aparece quando os alunos fazem boas perguntas ou se mostram interessados no que se ensina).

Bom, tudo isso foi para dizer que há duas coisas importantes nessa história toda: a primeira é nunca perder uma boa oportunidade de ficar calado (não quero dizer com isso que as críticas não devam existir, só quero salientar que críticas devem ser bem elaboradas e pensadas, para que não se tornem destrutivas, e portanto inúteis) e a segunda é aprender a ouvir críticas, lembrando que quem falou teve uma motivação, mas pode não ter refletido o suficiente, e que, no fundo, alguma coisa tenha que ser de fato mudada. Há, tem uma terceira coisa: se a crítica não se aplica, o melhor é não sofrer com ela, afinal sempre existe a possibilidade de ter sido feita num momento de insanidade.

domingo, 17 de junho de 2007

Cotas nas universidades...

Desde que começaram as discussões sobre cotas nas universidades tenho conversado com meus alunos sobre o tema. Talvez por ter sido professora de evolução na outra universidade que trabalhava, o assunto vinha à tona quando o tema da aula era variabilidade genética e eu entrava no assunto "raças". Já está certo que este conceito não é aplicável ao Homo sapiens, apesar das diferenças entre as pessoas existirem e eu achar que esta é uma das coisas mais bonitas da biologia (que porcaria seria se fôssemos todos inguais!). Bom, quando são mostradas as estatísticas de que há muito mais diferenças genéticas dentro de grupos (de diferentes cores, por exemplo)do que entre eles, fica bem claro, pra quem quiser ver, que não dá pra definir grupos do ponto de vista genético.

E as cotas? A esmagadora maioria dos alunos negros com os quais conversei é radicalmente contra. Hoje em dia, depois que você sai da universidade o seu empregador não quer nem saber em que lugar você ficou na classificação geral do vestibular... Pudera, isso em geral não diz o quão competente você é, nem o quanto conseguiu aprender na universidade, e muito menos o quanto você conseguirá aplicar o que aprendeu. Com as cotas, será que isso vai mudar? Será que um empregador ao ver um bacharel negro pedindo empregou não vai pensar: "ele entrou por cotas, será que é competente?", tipo da dúvida que não existia antes, já que todos entravam na universidade com mais ou menos o mesmo mérito (o daquela prova nojenta, que depois que você entra, ninguém mais leva em conta).

Na outra ponta estão os alunos do ensino médio e dos cursinhos por aí: antes a missão deles era "matar um japonês por dia pra passar no vestibular". E agora? Ouvi de uma amiga minha que o filho dela, que nunca tinha feito nenhum comentário racista, agora deu pra desdenhar alguns dos colegas, fazer piadinhas racistas e se sentir prejudicado porque não pode entrar em nenhum tipo de cota.

E dentro da sala de aula, já na universidade? Como fica a relação de alunos que entraram sem cotas com os alunos que entraram por cotas? Será que eles farão parte da mesma panelinha? Será que alguns alunos se sentirão superiores a outros? Isso tudo sem falar dos sistemas adotados pelas universidades pra definir quem entra ou não entra pelo sistema de cotas (vide o vexame recente da UNB). Isso de definir quem é negro ou não me lembra muito o início da eugenia nos EUA, que acabou com a castração involuntária de milhares de pessoas, antes de Hitler chegar ao poder na Alemanha (para uma referência mais concreta, leia "A Guerra Contra os Fracos, de Edwin Black).

Uma forma de contornar isso foi adotada por algumas universidades: cotas para alunos de escolas públicas, ou "cotas para pobres". Li uma crítica sobre as cotas para "pobres" adotada na Universidade Federal de Juiz de Fora: a esmagadora maioria dos alunos que entrou pela cota de escola pública foi de alunos do colégio da própria universidade, o trágico disso é que estes alunos em geral vêm de famílias que estão longe de ser pobres, e pior, a proporção dos alunos deste colégio que estraram na universidade não se alterou com o sistema de cotas. Resultado: a maioria dos alunos das outras escolas públicas continuam de fora.

Na minha honesta opinião, o que precisamos é de uma reforma séria no ensino básico da escola pública. Quando falo de reforma séria estou falando de acabar com a palhaçada institucional da progressão continuada, de melhorar as condições de vida dos professores (pelo pagamento de um salário pelo menos razoável), de estimular a capacitação dos professores (plano de carreira, por exemplo). Será que é pedir muito? A teoria da progressão continuada é linda, mas na prática, está piorando muito a situação, já que governantes e demais responsáveis pelas políticas educacionais parecem jamais ter lido do que se trata.

Outra coisa que precisa ser questionada é a necessidade de "universidade para todos". Vou ser bem antipopular agora, mas não acredito em qualquer coisa que seja para todos. Se eu tivesse poder pra isso, gostaria de instituir a "universidade para quem deseja estudar". É sério: nem todo mundo gosta de estudar, isso é real! Digo mais: nem todo mundo deveria ter que gostar de estudar. A sociedade deveria ser organizada de tal forma que qualquer tipo de trabalho bem feito fosse devidamente remunerado. Isso sim garantiria condições para todos. A universidade deveria ser um espaço sagrado, reservado para aqueles que de fato queiram estudar, qualquer um, de qualquer cor, credo, partido político, que tenha o objetivo claro de aprender e não de ter um diploma (parece loucura, mas tenho a nítida impressão que mais de 50% dos meus alunos não estaria na universidade caso tivesse acesso direto a um diploma...). Se as coisas fossem organizadas assim, aposto que não precisariamos nem de vestibular: cada um escolheria o que de fato quer da vida, e não haveria problemas de vagas nas universidades.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Corrida insana, mas divertida!

É... a gente tenta se atualizar, tenta saber sempre das últimas notícias, pelo menos do micro universo o qual achamos que temos um mínimo de domínio, mas sempre acaba levando sustos. Hoje me surpreendi duas vezes ao ler o Jornal da Ciência: descobri que o que disse ainda ontem aos meus alunos que estava em estudo e que ainda levaria um bom tempo pra ser descrito foi descrito na Nature de duas semanas atrás... Lamentável não saber disso. Me explico: estava dando aula sobre expressão gênica, ou seja, como as células fazem para saber quais proteínas vão produzir (grande parte das proteínas são tecido-específicas). Um dos passos disso é o que os geneticistas chamam de "splicing" alternativo. Sem entrar em detalhes para os leigos (perdão, mas a matéria de Fernando Reinach no Jornal da Ciência é bem elucidativa)cada RNA mensageiro pode ser editado de forma a ser o molde para diversas proteínas diferentes, tudo depende de como é editado (que pedaços são retirados e que pedaços são mantidos). Bom, após explicar este lindo processo (com um pouco mais de detalhe)afirmei, por pura ignorância, que ninguém sabia como era regulado. Bom, resulta que descobriram, e não é tão complicado assim, tanto que agora eu vou ter que voltar e explicar isso pros meus alunos. Só espero que eles consigam sentir o quão viva está a ciência.

A segunda surpresa foi por causa de outra matéria da Nature (mas essa felizmente foi de ontem...): o alinhamento de 1% do genoma humano com o DNA de outros mamíferos revelou que grande parte do DNA que consideramos "lixo" tem mais restrições às mudanças que parte do DNA utilizado como molde para a produção de proteínas. Ora, se é mais conservado que o esperado, então estamos diante de um fato que nos obriga a estudar melhor este "lixo" todo. Sempre achei que não sabíamos tudo a respeito do DNA, mas sempre tive convicção de que grande parte dele era lixo mesmo (simplesmente porque, segundo a teoria da evolução pela seleção natural, não há pressão para que um DNA sem função seja expulso das células). Bom, diante dos novos fatos, somos obrigados a estudar os outros 99% do DNA só para saber se o padrão se mantém ou se grande parte do DNA é lixo mesmo.

Como comentou uma aluna minha ainda ontem: "a gente estuda, estuda e fica a anos-luz de distância do que gostaria". É, é insana mesmo essa corrida, mas o que seria da humanidade se não fossem as questões a ser respondidas?

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Reflexão e Inércia

Desde que comecei a dar aulas, sempre que um aluno me procura por um motivo ou por outro, faço questão de parar o que quer que seja para atende-lo (algumas vezes realmente não é possível, mas eu me esforço bastante pra isso). Eu gosto de saber o que se passa na cabeça deles, se estão gostando da matéria, do curso, se já sabem que rumo vão tomar profissionalmente e essas coisas. Tudo isso é mesmo só uma desculpa para conhecer melhor “o meu eleitorado”, tentar descobrir o que está funcionando e o que não está funcionando em minhas aulas, enfim, tentar melhorar como professora. Às vezes me surpreendo com algumas perguntas, fico pensando que diabos estou fazendo da minha vida já que o aluno assiste aula, aparentemente entende tudo e me faz uma pergunta que deixa óbvio que não entendeu nada desde o início. Outras perguntas mostram a capacidade de decorar que os alunos têm, que muitas vezes é diretamente proporcional à capacidade de esquecer e inversamente proporcional à vontade de pensar no assunto... Outro dia me aconteceu de perder a paciência com um aluno (aqui na minha sala, cabe dizer, longe dos outros). Acho que acabei me excedendo e falando um monte de coisas que achei, naquele momento, que ele precisava ouvir. Em seguida me arrependi, achei que peguei pesado demais e cheguei a pedir desculpas. Depois fiquei pensando: acho que devo a minha formação, torta ou certa, aos professores que tive que tiveram a coragem de chamar a atenção para alguma coisa que eu estava fazendo sem me dar conta. Não acho que sou dona da verdade, mas fiquei pensando se não é função do professor, em determinados momentos, chamar a atenção de um determinado aluno sobre alguma coisa que julgue certa ou errada. Se o professor está certo ou não, é outra história, mas que uma chamada bem dada pode ajudar a começar a refletir sobre certas atitudes, isso lá ajuda, nem que seja pro sujeito se convencer de que o professor se equivocou miseravelmente e que a melhor atitude a ser tomada é aquela mesma, só que agora depois de uma reflexão, e não por pura inércia...

quarta-feira, 6 de junho de 2007

E a palavra professor?

Hoje conversando com um aluno, ele se sentiu ofendido por ter sido chamado justamente de "aluno". Ele ouviu a história de que alunos são seres "sem luz", ver post anterior, e acreditou... Depois de se convencer que aluno vem de alere, ficom mais feliz mas contra-atacou: "professor é aquele que professa uma fé, que tem idéias pré-concebidas e trabalha em Pro destas idéias". Confesso que fiquei com a pulga atrás da orelha. Pra quem também tem dúvidas, lá vai:

Professor «latim professor,ōris, "o que faz profissão de, o que se dedica a, o que cultiva; professor de, mestre", do radical de professum, supino de profitēri, "declarar perante um magistrado, fazer uma declaração, manifestar-se; declarar alto e bom som, afirmar, assegurar, prometer, protestar, obrigar-se, confessar, mostrar, dar a conhecer, ensinar, ser professor".»

Então, se estamos falando da relação entre professores e alunos, ouso interpretar que o professor é a figura que cultiva aquilo de que se alimentam os alunos numa sala de aula: o conhecimento, que ele só tem porque foi e continua sendo aluno. Além de cultivar, ele também tenta educar, palavra que tem como origem justamente do latim ‘educo, as, are, avi, atum’, «criar (uma criança), nutrir, amamentar, cuidar, educar, instruir, ensinar».

terça-feira, 5 de junho de 2007

Afinal, para que servem as aulas?

É muito triste para um professor perceber que um ou mais alunos, por mais esforço que façam, não conseguem compreender por que assistir certas aulas. É certo que dependendo das ambições e projetos de cada um, uma determinada aula não sirva de fato pra nada. É bem possível que aula alguma sirva mesmo para alguma coisa... Então temos um problema sério: será que estamos todos perdendo um tempo precioso na sala de aula? Ou será que aulas têm um propósito maior? Acredito que algumas pessoas sejam de fato capazes de aprender sozinhas, e que tanto a figura do professor quanto as aulas em si sejam absolutamente desnecessários. No entanto, não acho que isso se aplique à esmagadora maioria das pessoas que busca educação formal. Se não, que sentido faria isso tudo? Para quê tanta perda de tempo? Acho que passou da hora de se fazer uma boa reflexão a respeito: Alunos, o que querem vocês da universidade? Professores, o que afinal estão fazendo de suas vidas? Quanto a mim, descobri que uma boa parte das pessoas que está na universidade (nesta e em outras por onde andei) negligenciam o cérebro que têm... Estou numa cruzada insana de tentar fazer com que os alunos comecem a raciocinar pelo menos um pouco sobre o que já aprenderam e sobre o que estão aprendendo no momento. Descobri que se minhas aulas não servirem para ensinar genética, fico satisfeita com a esperança de que algumas pessoas se descubram como seres pensantes, e como tal se tornem pessoas melhores.

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Significados das palavras...

Aula, segundo o Priberam, significa palácio, ou a sala onde se recebem lições. Definições praticamente opostas dadas as condições da maioria das escolas e universidades. Este primeiro significado é quase um chamado à reflexão: o que fazem hoje os professores e os alunos nas salas de aula mundo afora? Será que estes palácios estão sendo tratados com o devido respeito?

Outra palavra que tem tido sua origem esquecida e às vezes deturpada é aluno. Já ouvi mais de uma vez que aluno significa "não iluminado", como se o "a" significasse sempre negação... Uma rápida olhada no dicionário ou uma busca rápida no google revelam que aluno não significa nada disso, significa apenas discípulo, aprendiz, e deriva do verbo alere (latim), que significa alimentar, nutrir, crescer, desenvolver, animar, fomentar, criar, sustentar, produzir, fortalecer etc (leia o excelente texto de Newton Luís Mamede) .

Será que dizer que os alunos são pessoas sem luz e esquecer que a origem da palavra aula reside em palácios não seria uma forma de desvalorizar a educação em si? Talvez tenhamos entrado nesse jogo por no fundo não acreditar na educação como algo que tem sim que ser defendido com unhas e dentes por todos nós. É bom lembrar que nenhum intelectual que se preze jamais deixa de ser aluno. Se alguém aí se acha na condição de ensinar é porque aprendeu de maneira mais ou menos fácil que tem muito a aprender.

Diferenças entre o DNA e o RNA

Todo mundo que faz biologia sabe de cor quais são as diferenças entre o DNA e o RNA: o RNA tem um oxigênio a mais na pentose que o DNA, e além disso tem uma base diferente, a uracila no lugar da timina. Isso sem falar que é uma molécula de fita simples...
No entanto, pouca gente parou para pensar nas diferenças... Por que será que ser um ribonucleotídeo é tão diferente de ser um desoxirribonucleotídeo? Já parou pra pensar no que uma molécula de oxigênio pode fazer a uma molécula? A coisa mais trivial que o oxigênio faz é tornar a molécula mais reativa, ou mais susceptível a reações com outras moléculas. Ora, para um DNA isso seria um péssimo negócio, já que é a tal da molécula da hereditariedade, e portanto precisa ser protegida desse tipo de problema. Por outro lado, o mRNA pode ser pensado como uma molécula mais efêmera (ou temporária), que é produzida quando uma proteína precisa ser sintetizada dentro da célula. Nada melhor que ter uma vida curta nestes casos, só pra evitar que fique sendo traduzida no citoplasma ad eternum, o que seria um problemão para a célula.
E a uracila? A uracila é uma timina sem um grupo metil... Já adivinhou? Pois é, o metil é o grupo que protege os ácidos nucléicos (o outro nome do DNA e do RNA) das nucleases... Bom, como a timina é a única base nitrogenada que tem um grupo metil, pode-se imaginar como o metil protege o DNA de danos causados pelas nucleases, coisa que o RNA não tem...
Pensando um pouquinho mais pra frente, o RNA recebe uma capa protetora na extremidade 5' que tem, entre outras coisas, vários grupos metil. Na outra extremidade ele recebe uma cauda poli-A, que serve basicamente para sofrer os ataques de outras moléculas enquanto as proteínas são sintetizadas. Como a cauda acaba sendo extinta, pode-se dizer que esta cauda controla o tempo que o RNA pode permanecer no citoplasma como molde para a produção de proteínas...

E quanto ao DNA? O DNA fica no núcleo, guardando muito bem guardados os moldes para a produção de toda e qualquer proteína do organismo...

Começando...

Conversando com algumas pessoas aqui na minha sala, vi que algumas idéias realmente valem a pena ser divulgadas. Uma multidão de alunos me procura todos os dias para discutir evolução, pensar em coisas relacionadas à história da vida, à humanidade, ao papel da universidade... Bom, talvez eu tenha exagerado e dois ou três alunos não formem de fato uma multidão, mas o fato é que alguns alunos me procuram, e, por causa deles, resolvi montar este blog.