sexta-feira, 6 de agosto de 2010

dou aulas porque gosto, se não gostasse, ganharia dinheiro...

Quarta feira passada começou a minha primeira experiência pra valer com estudantes da licenciatura. Eu tinha feito uma pequena pressão aqui na universidade para esta turma ser exclusiva deles, mas não tive sucesso, então terei que dar estas aulas para uma turma mista (metade licenciandos da biologia e a outra metade estudantes dos mais variados cursos de biológicas e agrárias aqui da UFV - Agronomia, Engenharia Ambiental, Veterinária, Engenharia Florestal e Zootecnia - ou seja, "o samba do crioulo doido").

Estou muito preocupada com a formação destes professores (de professores na verdade). Um dos discursos mais frequentes aqui na universidade a respeito das cotas sociais é: "o governo não devia se preocupar com cotas, e sim com a melhora do ensino fundamental e médio, o que garantiria o acesso de todos à universidade pública".

Vamos por partes: Conversando com os estudantes da licenciatura, eles me contaram que até agora (estão no quarto período do curso) todos os professores que entraram em sala de aula disseram: "eu não gostaria de estar aqui, estou sendo obrigado a dar aulas à noite para vocês". Acredito que eles tenham exagerado, e que não tenham de fato ouvido isso de TODOS os professores. Por outro lado, na minha ingênua concepção de mundo, eles não deveriam ter ouvido isso nunca. Imagine o impacto se você está fazendo um curso noturno (que é um perrengue, convenhamos, ter que ficar todos os dias até as 22:10 assistindo aula!), entra na sala de aula, o professor mal se apresenta e diz logo: "hum, eu estou aqui contra a minha vontade". Será que dá vontade de assistir à aula de uma criatura dessas? Você confiaria a sua educação a alguém que não está com vontade de ensinar? Particularmente, acho que eu não teria a menor vontade de assistir às aulas dessa pessoa...

Bom, se o sujeito que disse que não precisamos de cotas e que o ensino fundamental tem que ser melhorado for o mesmo que entrou para dar aula na licenciatura sem estar com vontade (e pior, disse isso gratuitamente aos alunos), então esse sujeito ainda não percebeu que a formação dos professores, fundamental para melhor o nível dos níveis fundamental e médio, é de responsabilidade dele também.

É isso que eu quero dizer. Tá na hora de tomar para si algumas responsabilidades. É verdade que eu, por melhor que eu fosse, não conseguiria, sozinha, melhorar o nível do ensino médio ou fundamental. Acontece que não me sinto no direito de ficar de braços cruzados esperando que a solução venha de cima (do governo, ou talvez de alguma divindade...).

Acho ótimo que hajam propostas de valorização dos professores. Tenho certeza que é fundamental que os professores sejam melhor remunerados, o que aumentaria a concorrência para os cursos de licenciatura e consequentemente o nível dos licenciados. Parece um plano perfeito para melhorar o nível intelectual do país!!! Mas de que adianta ter estudantes em tese "melhores" que os que temos hoje se os professores destes licenciandos estão desestimulados e com pouca vontade de dar aula?

Na minha opinião, acho que nós que lecionamos na universidade temos um papel fundamental nesse esquema: comparando o nosso salário com o salário dos professores da rede estadual e municipal (pelo menos aqui em Minas), posso dizer, sem medo de errar, que ganho uma pequena fortuna (é claro que se eu comparar o nosso salário com o salário de um doutor numa multinacional, posso dizer que ganho uma miséria). Bom, se eu sou doutora e professora universitária, é porque optei por isso. Dou aula porque é isso que gosto de fazer! Eu também gostaria que todos os professores dessem aulas porque gostam disso, e que ganhassem o suficiente para ter uma vida digna, fazendo o que gostam.

Partindo do princípio que os doutores que estão na universidade não estão fazendo outra coisa mais lucrativa porque não querem, então eu tenho que concluir que todos dão aulas porque gostam e porque querem. Se isso for verdade, por que não compartilhar este gosto com os estudantes?

Mais do que isso, se somos professores universitários e gostamos de dar aulas, temos a obrigação de dar boas aulas, e temos a obrigação de mostrar a nossos alunos que dar aula é uma atividade prazerosa. Temos também que colocar na cabeça de uma vez por todas que as aulas que damos para os licenciandos são as mais importantes que podemos dar na vida. Explico: se dou aula de genética para um estudante do bacharelado que adora genética e que quer estudar isso pro resto da vida, minhas aulas farão pouca diferença (e a minha cara amarrada durante a aula também), porque este estudante já foi estimulado e certamente buscará outras formas de aprender o que eu não fui capaz de ensinar. Certamente este estudante vai muito além da minha aula, e, se por acaso eu disser alguma coisa muito errada, ele vai perceber e isso não fará a menor diferença pra ele.

Por outro lado, se dou aula de genética para um estudante de licenciatura (que terá que aprender de tudo um pouco dentro da biologia para ser um bom professor) chego de cara amarrada e falando besteira, este estudante primeiro vai aprender que dar aulas é um suplício e que é possível fazer de qualquer jeito... Outra consequência é que ele talvez passe a odiar genética, e que portanto não faça a menor questão de aprender genética direito. Se genética fosse uma discplina isolada, um pouco menos mal, mas como é que você vai ser professor de biologia, que tem que ter uma boa noção do geral, e principalmente de evolução, se você não tiver uma base genética bem sólida?

Foi só um desabafo... É que estou cansada de ouvir professor dizer que a pior desgraça que eles têm na vida são os próprios alunos... Se você é doutor e dá aulas numa universidade, certamente tem (ou deveria ter) capacidade para fazer diversas outras coisas, com certeza mais lucrativas... Proponho uma frase pra colocar na camiseta: "dou aula porque gosto, se não gostasse, ganharia dinheiro!". Aceito propostas para melhorar o slogan...

4 comentários:

Michele Gravina disse...

As universidades precisam com urgência de professores (as) como você para dar aula nas licenciaturas. Em geral, parte dos próprios professores universitários a ideia de que os alunos do bacharelado são "melhores" e que os "coitadinhos" da licenciatura podem ter uma formação rasa. Se colocam isso na cabeça de um jovem logo no início de sua formação, que tipo de professor(a) ele será no futuro? Quando estava na graduação, ouvi de um professor que no máximo 2 dos 25 alunos da turma seguiriam a carreira acadêmica, o "resto" (foi a expressão que ele usou) subiria o morro para dar aula a um bando de marginais, e que esses marginais ainda iriam arranhar o nosso carro velho, financiado e com prestações atrasadas.

Karla Yotoko disse...

Putz!

É o típico comentário que deveria ficar só na cabeça de quem faz, acho que este professor perdeu uma excelente oportunidade de ficar calado...

Unknown disse...

Professora, muito interessante esse seu "desabafo", concordo plenamente com tudo isso. Os professores (a maioria) deixam bem claro o seu desejo de não dar aula e de q só faz isso pq são obrigados. Existe uma piada bem real de q quem está na ufv não quer aprender. Sem considerar q colar e "marretar" é aprender. Mas agora tenho uma pergunta professora. Analogamente à questão do ovo e da galinha, quem veio primeiro, os professores sem motivação de dar aula ou os alunos sem vontade de aprender? É claro q deve ser lembrado q os professores, detentores do "conhecimento" em relação aos alunos, não deveriam se deixar levar pela grande maioria q não quer nada... mas fica essa questão. Professora, faço agronomia, estou no 6º período e tenho na memória ativa (e cabe em uma mão) a quantidade de professores bons q tive até hj, bons no sentido do q considero equilíbrio ideal, q vem a ser o conhecimento dele e o capacidade de incentivar (esse segundo mais importante),os alunos. Aproveitando o cometário da Michele, é bem comum em matérias de massa, os professores (grandes dinossauros na disciplas, q pensam igual a computador e acham q sabem tudo) iniciarem o período "lembrando" aos alunos de q boa parte da turma vai perder na matéria dele... e a quantidade de professores a já ouvi algo desse tipo não dá pra contar com os dedos(e nem com os pés)...

Karla Yotoko disse...

Quanto ao ovo e a galinha, certamente o ovo veio primeiro, já que os ancestrais das aves já botavam ovos...

Quanto a o que começou primeiro, professores sem motivação de dar aulas ou alunos sem vontade de aprender, não tenho conhecimento de causa para argumentar, o que é muito triste e precisa ser investigado.

Eu gostaria de lembrar que professores também são seres humanos (sim, eu sei que não parece) e esse negócio de "detentores" do conhecimento é pra lá de furado. As únicas coisas que temos a mais são rugas e anos de vida, nada que os estudantes não consigam com um pouco de tempo. Com isso quero dizer que às vezes é muito complicado não se deixar "levar pela maioria".

Pra começar, vivemos num país democrático, onde a maioria decide as coisas. É claro que você pode argumentar que a maioria é teleguiada (literalmente guiada pela mídia, em especial os canais de TV - isso dá outra discussão enorme...). Temos portanto a tradição da maioria.

Eu sou professora, adoro dar aulas, e não tem nada que me irrite mais e me tire mais do sério do que estudantes sem vontade de aprender. Se a minha função é ensinar, meu trabalho não faz o menor sentido se os estudantes não quiserem aprender, entende?

O que tento fazer é um exercício mental de "abstrair" os desinteressados e me concentrar nos 5 ou 10% interessados na matéria. Difícil, muito difícil...

Você faz agronomia, então me diga como se sentiria se plantasse um latifúndio inteiro de feijão e colhesse só 5 ou 10% do que plantou... Não ia ser um baita prejuízo? Pensa nisso...