sábado, 21 de maio de 2011

Simbio II, Rio Paranaíba

Ontem fui dar uma palestra em Rio Paranaíba, no outro campus da UFV, a universidade em que trabalho. Apesar da longa viagem até lá (10 horas de ida e 8 de volta) e da pequena audiência, foi uma das palestras mais produtivas que já dei (pelo menos pra mim). Na verdade eu tinha uma vaga ideia do que falar, mas acabei enveredando por um caminho totalmente diferente e inusitado...

O objetivo era falar do "quando" em evolução. Dei alguns exemplos de uso do Relógio Molecular em meu laboratório. Resolvi começar com a noção de "quando" na história da humanidade. Já tinha lido alguma coisa a respeito, mas resolvi rebuscar um pouco mais...

Como a viagem foi longa, num carro de de passeio  (sempre pensei que o "space fox" fosse realmente espaçoso... lêdo engano), e eu tinha 4 companheiros eventuais de viagem (pessoas que nunca tinha visto antes, mas que foram agradáveis surpresas como companhia de "roubada"), fomos conversando sobre os mais variáveis temas, desde transgênicos, passando por política de meio ambiente à paranóia de ter filhos (todo mundo acha que eu tenho que ter filhos, vai entender!).

Bom, minha palestra foi se consolidando na minha pobre mente perturbada pelo cansaço, a estrada e as conversas que rolaram dentro do carro.   Depois de chegar no hotel, rolaram ainda mais contratempos como um quarto sujo, uma troca de quarto, a falta de toalhas e cobertores e o principal: tomadas incompatíveis com o meu computador!!!! Foi tudo solucionado, mas à meia-noite, com uma palestra por terminar, parecia o fim do mundo!

Mais ou menos à 1:30 da manhã, consegui sentar para terminar finalmente a palestra. Lá pelas 2:30 - 3:00 consegui desenrolar o arquivo do LaTeX (o power-point de quem não tem mais o que inventar pra se enrolar na vida...) para apresentar no dia seguinte, às 10:00 da manhã. Antes da minha palestra, pude assistir às apresentações de dois dos meus companheiros de viagem, e as coisas foram mudando ainda mais dentro da minha cabeça (ainda cansada, com sono e com muito, muito frio!)

Voltando à palestra, o objetivo era falar do "quando" em evolução, quando me dei conta que a questão do "quando" é crucial para a conservação do ambiente. Meus dois colegas de "roubada" foram falar justamente disso: um deles das modificações no código florestal e o outro da lista sempre crescente de espécies ameaçadas de extinção ou extintas... (parece que algumas espécies foram decretadas como extintas assim que foram descritas, um absurdo!!!).

A questão é a seguinte: o ser humano não consegue pensar em tempos muito longos. Fiquei me questionando o seguinte: Nossa espécie passou a maior parte da sua existência (mais ou menos uns 160-180 mil anos) como caçadora-coletora, e, portanto tem uma ótima noção de dia e noite (e da duração do dia e quando deve retornar à caverna, antes que escureça). Quando se tornou agrícola (há mais ou menos 10 ou 12 mil anos) ganhou a noção de estações do ano (em alguns momentos faz frio, em outros nem tanto e em outros ainda, faz calor!), e de que isso deveria ser cíclico (uma bela conclusão, que exige um altíssimo poder de abstração, como veremos no fim deste texto). Como fazer esta espécie pensar nas gerações futuras, uma vez que vivemos em média uns 80 anos?

A viagem com relação ao tempo passou por físicos (que fizeram a hipótese do BigBang, pela qual o Universo tem 13 bilhões de anos) e geólogos (que aumentaram a idade da Terra de 6.000 anos, como reza a Bíblia, para 3,5 a 4,5 bilhões de anos). Esta nova idade da Terra é conhecida pela ciência desde meados do Século XVII, um pouco antes de Darwin lançar sua teoria, em 1859.


Voltando à noção de tempo... Apresentei um dos resultados do meu "laboratório", que explica a diversificação em uma família de Odonata (libélulas para os não-iniciados). Nestes resultados, obtivemos evidências de que após a (quinta) última grande extinção (aquela de 65 milhões de anos atrás, na qual os dinossauros, e a maior parte dos organismos do Planeta, foram extintos!), houve uma grande quantidade de eventos de especiação, de modo que surgiram vários grupos de espécies na família que estudamos. Traduzindo: a grande extinção eliminou milhares de espécies, das quais sobraram umas poucas, que, com o tempo, se adaptaram aos novos ambientes, ocupando o "espaço vazio" deixado pelas espécies que se extinguiram.

É importante lembrar que um evento de grande extinção não ocorre em um dia ou um mês, mas sim em séculos, nos quais as condições do ambiente estão tão ruins que levam milhares (ou milhões) de organismos à extinção. Num período destes, aqueles que se adaptam rápido (sim, em evolução, um milhão de anos é rapidinho) acabam levando a melhor e sendo representados no futuro.


Foi aí que a palestra mudou de rumo: contei para a platéia que há quem diga que estamos em plena sexta grande extinção do Planeta (em pouquíssimo tempo estamos extinguindo milhares de espécies, algumas sem termos tomado conhecimento da existência). Depois de finalizado este nosso belo trabalho, é possível que as condições de vida para nós mesmos fiquem bastante precárias, e, no limite, podemos ser extintos também.

É bem possível que após esta devastação, as espécies remanescentes se diversifiquem, recolonizando a Terra, que com o tempo vai ter apenas vestígios de nossa lamentável existência.

Depois de afirmar isso (não exatamente com estas palavras, sou péssima para repetir o que eu mesma digo), abri para perguntas. A primeira pergunta que surgiu foi: "professora, você é a favor da extinção da humanidade?" Confesso que fiquei um tanto atordoada, tudo que pude responder foi: "não tenho filhos". É isso mesmo, não tenho filhos porque acho que o Planeta não suporta mais gente. Somos 7 bilhões, a maior parte dos quais luta diariamente pela subsistência...

Não dá para pensar no meio ambiente ou no futuro do Planeta se o camarada não sabe se vai ter o que jantar! Provavelmente a maior parte da população morre de rir quando vê um ambientalista falando de conservação de florestas, ou do mico leão de não sei o quê. Não sou contra a preservação, muito pelo contrário, mas não acredito em preservação sem educação.

Se houvesse, por exemplo, uma percepção mais ampla do tempo, talvez o código florestal não estivesse prestes a sofrer modificações absurdas... Não conheço o documento em profundidade, mas, reduzir de 30 para 15 metros o espaço junto aos rios ou riachos onde não se pode plantar é não ter noção nenhuma de tempo... Gostaria de lembrar aos senhores proprietários rurais que às vezes chove um pouco mais do que eles gostariam, e que isso provoca inundações terríveis (ou será que essa gente não se deu conta das estações, ou de fenômenos climáticos como el niño ou la niña?) Outra coisa a ser lembrada é que a falta de vegetação em torno da água provoca assoriamento dos rios... Ninguém lembra de 2 ou 3 anos atrás? Tudo bem não ter noção de milhões de anos, mas de 2 ou 3 anos, é demais! [como eu disse, pensar em coisas cíclicas, como estações em um ano, exige demasiada abstração por parte do Homo sapiens (ou nem tantus...)]

Outro papo que veio à tona foi o do crescimento populacional. Todo mundo sabe que Malthus mostrou que a população humana cresce em escala geométrica, enquanto a produção de alimentos cresce em escala aritmética. Isso levaria certamente a uma fome generalizada. Graças à revolução verde e aos avanços da agricultura (parte deles de responsabilidade orgulhosa da UFV, a universidade em que trabalho), esse colapso ainda não aconteceu. Os transgênicos são, hoje, a promessa de que não vai acontecer... (outra falta de percepção do tempo quase infantil!)

Acho que precisamos começar a raciocinar um pouco melhor sobre este assunto... Plantar e colher exige recursos naturais, que infelizmente estão se exaurindo. Temos outro problema, que talvez no momento seja pior: produzimos mais lixo do que o ambiente é capaz de processar e que dura mais tempo que a existência do ser humano que o produziu. É pura lógica: uma hora dessas, com a quantidade de gente no mundo, isso vai acabar dando problema...

Não sei se esses desastres vão acontecer no meu tempo de vida, ou no tempo de vida dos filhos dos meus amigos ou dos meus alunos, ou dos filhos dos filhos deles (viu como eu não sou tão pessimista assim?). Só sei que a solução dada pelos livros de ficção científica era simplesmente deixar o Planeta e viajar para outro. Fico me perguntando se isso tudo tem algum sentido...  (deixamos um Planeta e fazemos a mesma coisa em outro, e talvez em um terceiro, um quarto... Beleza, o Universo é infinito mesmo...)


Um dos professores de Rio Paranaíba, que trabalha com bactérias, comentou sobre o crescimento bacteriano em laboratório:

Ele disse que as bactérias têm várias fases. Na primeira, se reproduzem lentamente (como o fez a humanidade até uns 500 anos atrás), depois a taxa de crescimento aumenta um pouco, depois aumenta assustadoramente (a fase log, onde cresce exponencialmente, que é o ponto onde imagino que estejamos). Isso não pode durar pra sempre (apesar dos governos acharem que não é hora das populações pararem de crescer, porque precisamos de gente para produzir!!! ???). Depois da fase log, vem a fase de estabilização (na qual a quantidade de indivíduos que nasce é igual à que morre). Nesta fase, as bactérias consomem o que resta dos recursos. Nesta fase também, se acumulam as toxinas, produzidas como dejetos das próprias bactérias. Depois de um tempo estável, a população começa a declinar, tanto por falta de recursos quanto pela toxicidade do ambiente.

Com a estratificação da sociedade (que existe, apesar do que dizem os políticos), adivinhe quem vai sofrer primeiro a falta de recursos e a intoxicação por nosso lixo?

Vou parar de escrever, a cada linha diminui mais a quantidade de leitores potenciais deste post... Sim, estou pessimista, mas ainda acho que se todo mundo conseguir pensar em um tempo um pouquinho maior que a próxima refeição (ou a próxima bolada de dinheiro que vai ganhar), as coisas tendem a melhorar. Minha esperança é que a fase log acabe antes da exaustão do Planeta, e que eu não esteja mais por aqui quando a população começar a declinar pela fome e excesso de lixo. Como eu gostaria de poder dar um chacoalhão em cada ser humano e dizer: acorda, criatura!!! Você quer continuar vivendo, e bem? Então para de consumir tanto, para de produzir tanto lixo e vota direito, caramba!

5 comentários:

José Carlos disse...

Professora, excelente texto!
Abaixo é só para te provocar...
E se defendêssemos que os casais tivessem, NO MÁXIMO, dois filhos? Em princípio, matematicamente, esse, de fato, terrível crescimento demográfico cessaria. Matematicamente, morreriam dois e nasceriam dois, ou menos. A contar que a fecundidade nunca é 100%, teríamos menos descendentes ainda. Certamente, em breve, entraríamos em fase estacionária e declínio. Bem, não irei discutir as benesses de se terem menos filhos, nem mesmo as controversas religiões defendem mais o ultrapassado "crescei-vos e multiplicai-vos"[talvez com alguma distorção linguística], e você já fez isso magnificamente. Mas, passaríamos a defender apenas a manutenção da vida. Claro que daríamos conta das toxinas e da falta de nutrientes. Já mostramos ser capazes disso, que a vida pode/ria ser sustentável. Mas deveríamos defender isso para todas as espécies, não apenas a nossa, como fazem (não pensam) os consumistas. Também acredito que continuamos a crescer por que "resolvemos" a nossa curva cinética. Mas, ainda, sequer pensamos efetivamente nas outras. Mas, ainda defendo a vida, aquela que estudamos para defender. A espécie humana também produz muita coisa interessante, fico imaginando que deixar de existir/ou sucumbir-se cairia na mesma questão do "ame-o ou deixe-o", expressão, título de um livro duramente criticado de autoria de um Bispo falando do Brasil (ou de revolucionários brasileiros), por ocasião da ditadura. Foi criticado pois não basta evadir-se, quando se deveria ficar aqui, lutar por isso aqui e não deixar para trás os problemas. Sabemos que a Terra, e seus ciclos naturais, pode/ria, sim, ser alterada pelos homens e de forma positiva. Muitos cientistas, como nós, não estamos aqui justamente para quebrar ou intervir na história natural? É assim com muitas doenças, com previsão de catástrofes, com a terrível natureza exploro/predatória humana, com muitos dogmas e muitas outras coisas.
...É que fiquei pensando, primeiramente, na história de Marte que, um dia, teve gravidade, aquele que foi/teria sido habitável. Não se fez nada, não havia ninguém para fazer alguma coisa. Somos exclusivos e fruto de uma evolução de alguns zilhões de anos e muitos erros, como você explana brilhantemente. Depois fiquei pensando na extinção de uma espécie, pensei na nossa. Quando o sentido mais forte da vida é a evolução. Pensei numa história dessas de internet, sobre numa tribo que teria defendido tão bem a ideia de não procriação, que se extinguiu em poucos anos. Depois pensei, quando pessoas como você se forem e se, de fato, apesar de todo legado de conhecimento a seus alunos, você descobrisse que muito do entusiasmo, paixão e fascínio pela vida, só fossem passados geneticamente. Quem levaria suas tão brilhantes ideias adiante?

Karla Yotoko disse...

Acho que preciso discordar, professor. Não acredito que a solução seja manter a população em 7 bilhões, acho que ela deveria efetivamente diminuir... Não sou eu, e espero que ninguém o faça, quem vai dizer quem deve procriar e quanto. Só sei que estas proposições de: "tenha no máximo dois filhos", ou um, como quer o governo chinês, nunca funcionam, e acabam tirando o que as pessoas têm de mais precioso: a liberdade.

Acho que o único jeito mesmo é quem estiver consciente do problema (e espero que o número de pessoas conscientes aumente) se abstenha de ter filhos, ou que tenha, como você propôs, no máximo dois filhos.

Também já tive ataques de vaidade (o que é bem próprio do Homo sapiens) de achar que os meus genes, por meio dos meus filhos, poderiam mudar o mundo... Sabe do que mais? Bobagem... A ideia de fazer com que gente "melhor" procrie mais não é nova, e foi a semente de um dos numerosos capítulos lamentáveis do H. sapiens no planeta: o holocausto...

Tudo começou quando o Galton (primo menos ilustre do Darwin), teve uma grande ideia: "se a seleção natural faz com que os melhores sobrevivam, então a humanidade está na contra-mão: os feios, sujos e malvados estão ganhando a competição! Cabe a nós, cientistas, mostrar aos lindos, limpinhos e bonzinhos que eles devem se reproduzir, e deixar o mundo melhor."

Daí foi um pulo para alguém sugerir que o simples estímulo à reprodução dos lindos, limpinhos e bonzinhos era lenta demais, e que o negócio era esterilizar (em massa) os feios, sujos e malvados (o que foi feito sem dó nem piedade nos EUA, o primeiro país a comprar a ideia).

Depois a ideia voltou para a Europa, e quem comprou foi o Hitler, e não preciso entrar em detalhes... Ele apenas pensou: esterilizar essa gente leva tempo demais. Porque não matar e de quebra ter trabalho escravo e desenvolver como nunca a fisiologia e a medicina???

Só para constar, graças ao Galton, surgiu a primeira sociedade de genética, que não se chamava assim, mas sim de sociedade de Eugenia...

José Carlos disse...

Não defendi controle de natalidade. É fato, mas eu não dramatizaria tanto. Ainda acredito que a vida, a única vida, em seu sentido mais amplo, e como a conhecemos, no Planeta onde apareceu, ainda é bela, muito bela. O bom, ela sempre soube resolver seus problemas. Nas heranças genéticas (egoístas, talvez), na atropelada limpeza étnica, e que outras mentes lúcidas felizmente derrubaram, dos muitos muros mais infundados que também caíram. O, principal, ela sempre evoluiu, como dissemos atrás. Recentemente, em comentário sobre o último Prêmio Nobel de Física, dizia-se que se conhecem apenas uma pequena porcentagem de todas as energias existentes. Talvez estejamos ainda muito aquém das muitas coisas, que de fato precisamos (até com urgência atingir) -muitos outros muros a derrubar, muitas etnias a salvar-, de modo que nos fascinemos ainda mais pelas coisas boas da vida, e que ninguém nega. Mas não vejo outra forma de resolver os problemas da vida, senão começando pela própria vida. Eu defenderia, primordialmente, a educação. Essa que certamente culminaria em saúde, em cultura e, certamente, suscitaria, mais zelo pelo mundo, pela vida, novamente, em seu sentido mais amplo.

José Carlos disse...

A maior ditadura que temos, de fato, atualmente, é a ditadura da economia mundial, do capital que gere a tudo. E atrás desses, somente poderia aparecer o aludido consumismo desenfreado. Como você menciona, talvez seja preciso chegar mais próximo ao "fundo do poço", ou da próxima grande extinção.

Karla Yotoko disse...

Eu sei que você não defende isso, foi só para ser dramática mesmo!!!

Concordo contigo que a educação é o único caminho!!!