sexta-feira, 30 de abril de 2010

Lamentável mas real...

Este é um desabafo voltado aos meus alunos... Sempre pensei na educação como uma ferramenta na formação de pessoas pensantes (adoro ler o que Bertrand Russel - leia o artigo "A liberdade e as faculdades" disse a respeito disso) e não de uma manada de intolerantes. Será que eu consigo?

Como sempre fui contra a avaliação simplesmente por provas (na verdade sou contra provas de maneira geral) e não consigo me livrar delas por razões práticas e institucionais, decidi aliviar as notas das provas, propondo atividades semanais.

Estas atividades consistem na utilização de uma ferramenta de estudo à distância desenvolvida pela universidade onde trabalho. A idéia é que um estudante assista à aula, e, após isso, tenha a oportunidade de responder questões bastante simples sobre a mesma. Isso tem o objetivo de fazer com que ele teste seus conhecimentos, teste o que aprendeu na aula e tenha a oportunidade de buscar nos livros, ou mesmo na internet, respostas que o façam refletir sobre o assunto, ligar com o tema da aula e responder às questões. Pra isso, o teste fica uma semana disponível. Pode ser aberto, lido, copiado ou impresso. O estudante pode passar uma semana com ele, buscando respostas, perguntando para os colegas, o que for!!! Estes pequenos testes valem pontos (um ou dois pontos na média final). O teste é optativo, caso o estudante opte por responder, será avaliado, se acertar 80% de um teste que vale um ponto, terá 0,8 garantidos na nota final. A prova deste estudante, ao invés de valer 33 pontos como o usual, valerá apenas 32(Se tirar nota máxima, terá 32,8). Com uma média de 10 testes por bloco da disciplina, dá pra ter 10 pontos garantidos...

O que aconteceu? Alguns testes foram resolvidos na base do chute (marca-se V ou F de qualquer maneira, média de 50% de acerto conforme esperado). Outros testes foram respondidos integralmente, com média de 100%. Para minha surpresa, os testes bem resolvidos estavam com o gabarito impresso no xerox que os estudantes têm acesso...

Para que serviu? Pra professora (eu)aprender que não dá pra confiar nem nos seus estudantes... O problema disso??? Será que o país do futuro tem alguma chance real de ser melhor do que o do presente?

Pra completar a tristeza geral, 50% da turma teve rendimento ABAIXO de 50% na prova, que tinha exercícios muito parecidos aos propostos nos testes... Ou seja, os testes, mesmo que resolvidos com honestidade, não devem ter servido para ir bem na prova...

Todos os meus estudantes são adultos, certamente todos são eleitores, estudam numa instituição pública, gratuitamente. Alguns deles certamente fizeram as coisas corretamente, não conseguiram acertar tudo na prova talvez por nervosismo, ou falta de confiança em si mesmos (o que é bastante comum entre estudantes).

E os que copiaram as respostas deliberadamente? E os que fizeram tentativas inúteis de colar as respostas dos colegas durante a prova (o que é péssimo, uma vez que faço 4 provas diferentes, de modo que a resposta da prova do colega não é a resposta da sua prova)? Estou preocupada. Se por um lado acho injusta a avaliação de uma matéria extensa como a genética em apenas três provas, e acho que eles teriam direito a avaliações intermediárias, por outro não confio na maioria dos meus alunos...

Tem um tema muito mais sério aí. Será que eu, na tentativa de ajudar, estimulei um comportamento corrupto em meus alunos, uma vez que se sentiram à vontade em copiar as respostas dos colegas? Será que com isso estou mostrando que este tipo de comportamento vale a pena e que o mundo é mesmo dos espertos?

Sempre me irritei muito com regras absurdas que só burocratizam desnecessariamente trâmites que seriam muito mais tranquilos, não fosse a necessidade de vigilância. Sempre me senti injustiçada, mas começo a concordar que, para a maioria das pessoas, se não houver vigilância estrita, não há a menor possibilidade de que sejam honestas...

O gráfico abaixo mostra o rendimento das notas dos testes feitos na internet no eixo X (valendo no máximo 10 pontos), e a percentagem do rendimento na prova no eixo Y. Sem considerar os alunos que não responderam a nenhum dos testes (que têm zero na nota dos testes), tive uma correlação muito baixa e não significativa (R = 0.08, p = 0.55). Considerando estes alunos, a correlação aumentou um pouco, mas continuou não significativa (R = 0.21, p = 0.1). Quem entende um pouquinho de estatística já entendeu do que estou falando...



Resolvi tentar propiciar uma discussão a respeito disso neste fórum, e vou tentar fazer o mesmo na sala de aula. Qual a função dos professores? Qual a função dos estudantes? É justo estar numa universidade e agir de má fé? Tentando amenizar a barra dos alunos: este tipo de atitude não é tão corrupta assim? Diante disso, existem níveis aceitáveis de corrupção, ou uma vez corrupto, sempre corrupto?

Já fiz também uma auto-crítica em relação a isto... Já colei em prova, já entreguei, desesperada, uma lista de exercícios em parte copiada por incompetência ou falta de tempo de buscar as respostas corretas em algum momento. Isso acontece, faz parte da vida de estudante... No caso dos testes on-line que propuz é diferente... Os estudantes tiveram tempo de sobra pra fazer um ou outro teste. Eles tinham a opção de não fazer teste algum, e arriscar a nota toda na prova. Eles tinham, sobretudo, a informação de que os gabaritos das provas eram diferentes, e mesmo assim colaram uns dos outros... O que exatamente está acontecendo? Tenho o direito de me omitir ou tenho a obrigação de chamar a atenção dos estudantes? Já fui pega num caso de cola, nunca passei tanta vergonha na minha vida... O pior mesmo foi encarar a professora que tinha uma prova incontestável da falta de honestidade. O remédio foi aceitar a punição e ralar o resto do semestre pra recuperar a nota, e consegui!!! Pra mim foi fundamental ter passado por isso, hoje sou capaz de olhar para a situação e visualizar mais de um ponto de vista (ou seja, de juiz e de réu).

Será que é isso que tenho que fazer? Fazer o aluno passar uma vergonha danada de ter agido desse jeito? Vou deixar esse texto aqui, se você for meu aluno e quiser opinar, fique à vontade, o depoimento pode ser anônimo... Se quiser conversar sobre isso, estou à disposição também. Se você não for meu aluno e quiser comentar, seja bem vindo, preciso de sugestões...

Um comentário:

Unknown disse...

Eu NÃO colei durante minha graduação inteira! Na verdade não lembro sequer de quando colei (a primeira coisa que me vem à memória é um teste de inglês na quinta série...como se escreve feliz natal em inglês mesmo?). Primeiro porque não achava justo comigo mesmo (realmente eu quero aprender e testar o que aprendi!) e nem com meus professores, segundo porque não confiava nos meus colegas de classe.

Foram inúmeras as vezes em que recebi propostas para fazer trabalhos e provas, individuais ou em grupo, para alunos que na maioria das vezes nem eram do meu curso. Já fiz até dezenas (bem provável que seja mais de uma centena) de testes online em disciplinas que disponibilizavam essa ferramenta. Quem está errado? O aluno que por incompetência, falta de confiancia em si mesmo, desespero por nota ou pura vadiagem procura e paga por esse tipo de serviço ou o aluno que por esperteza, pena ou necessidades financeiras aproveita a situação para ganhar uns trocados? Essa é uma possível justificativa para a ausência de correlação entre as notas dos testes e provas, mas existem outras fáceis de imaginar.

Uma pergunta maldosa, com um sentido bem amplo e várias interpretações, mas bem realista: não é desvantajoso ser um altruísta no meio de egoístas? É olho por olho e dente por dente! E é cobra comendo cobra! Lamentável mas real! Não estou e nem quero fazer apologia ao comportamento egoísta, só estou naturalizando um comportamento. Até porque, aplicando no caso que estamos discutindo, o comportamento egoísta seria falsamente vantajoso, de curta duração e causaria dependência.

Eu (e outras pessoas com as quais tive a oportunidade de conversar sobre o assunto) percebi uma mudança muito grande no conjunto de alunos que ingressavam ano após ano e compunham o corpo discente da UFV. Cada vez mais gente com menos preparação para aproveitar a universidade e menos interesse na própria formação. Na minha opinião, o que está acontecendo com a UFV e, com certeza, com outras universidades tão bem conceituadas, ou não, é um reflexo da política "universidade para todos". São mais vagas, mais cursos, provas cada vez menos seletivas, ponto de corte cada vez mais baixo, mais cotas, mais bolsas para universidades particulares. Eu nunca achei que a universidade deveria ser para todos.

No momento não consigo pensar numa solução para o problema. Deve ser por isso que a educação no Brasil é tão engessada. Vários devem ter tentado mudar o sistema, mas sem êxito. Talvez sejamos mesmo naturalmente malandros, só faltam boas oportunidades para que alguns exteriorizem esse comportamento. É como você mesma diz: para conhecer uma pessoa basta dar um pouquinho de poder para ela.