terça-feira, 24 de maio de 2016

Medidas de Economia ou Temerosas transações?

Depois de 16 meses de mandato moribundo, a presidenta Dilma Roussef foi afastada por 180 dias de seu mandato, por motivos questionáveis e por obra de congressistas no mínimo suspeitos. O problema fundamental nesse processo foram os motivos alegados. Daqui pra frente qualquer governo legitimamente eleito pode ser retirado do poder, basta que a maioria do parlamento assim o decida. Não fosse assim, pelo menos 16 governadores também deveriam ser impedidos e incontáveis outros políticos do executivo deveriam ser investigados e indiciados, incluindo o próprio relator do impeachment no Senado, o ex-governador de Minas Gerais, Antonio Anastasia (PSDB). Conforme audio divulgado ontem pela Folha de São Paulo, o processo foi deflagrado para impedir a continuidade das investigações da Operação Lava-Jato, conduzida pela Polícia Federal.

         Com ou sem o aval da maioria da população, o afastamento é fato e Michel Temer assumiu interinamente (é bom que se diga) o governo. Como primeiro ato, talvez para impressionar os descontentes com a corrupção, reduziu o número de ministérios. Esse ato é muito mais político do que uma medida efetiva de economia: ele mostra à população que o governo não está disposto a gastar o  dinheiro da união com funcionários públicos. Na prática não é bem assim, os concursados continuam e muitas vezes são colocados em funções para as quais não têm competência ou simplesmente ficam encostados. A massa aplaude!

         Para reduzir o número de ministérios e ficar bem na foto, o interino propôs algumas junções espúrias e outras indesejáveis. O Ministério da Cultura foi unido ao da Educação. Os artistas se rebelaram, fizeram manifestações nas ruas e na internet e conseguiram reverter o processo. Ponto para eles e um sinal claro para os demais descontentes: é possível reverter medidas que não agradem, o interino não é forte a ponto de manter medidas impopulares. A junção que mais me preocupa enquanto pesquisadora é a do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação com o Ministério das Comunicações. A comunidade científica reagiu, mas anteriormente, contra a possível indicação de um pastor licenciado da Igreja Universal. Se não foi uma jogada de mestre, foi um golpe (ops! desculpe a palavra) de sorte, o que não parece verossímil. O fato é que o susto do primeiro anúncio foi tão grande que a fusão com as Comunicações pareceu um alívio. Como diria um aluno meu, "o interino colocou um bode muito fedorento na sala, quando tirou, parece que o mundo ficou melhor!".

         O bode saiu, mas o que veio depois não deveria ser um alívio. Acho que esse tipo de medida visa desvalorizar a atividade científica. Isso é no mínimo temerário. Nos últimos 500 anos temos sido produtores de matéria prima e consumidores de produtos elaborados, em todas as áreas. Com um pouco mais de ciência e tecnologia, poderíamos ambicionar ser mais que uma república de bananas, mas essa não parece ser a vontade dos políticos que tomaram o poder. Ciência é uma atividade cara, que além de tudo não produz resultados imediatos…

         Além disso, desvalorizando a atividade científica, o ensino superior, especialmente nas universidades públicas, também sai perdendo. Isso, por sua vez derruba a qualidade do ensino médio e fundamental, numa cascata que a longo prazo só fará mal para a educação no país.

         É qualitativamente diferente ter como professores agentes de produção ou simples repetidores de conhecimento. Na minha área esse fator é nítido. Uma aula de evolução com exemplos locais é muito mais interessante que uma aula baseada em exemplos do norte da Noruega com organismos que mal consigo traduzir o nome. Outros ambientes, outros padrões, outros processos evolutivos.

         Hoje vejo ex-alunos meus que tiveram a oportunidade de se aprimorar no exterior (no tão criticado Ciência Sem Fronteiras) e que voltaram com vontade e capacidade de estudar a nossa biodiversidade. Essa moçada tem publicações em revistas de real impacto (Nature, Science), projetando o Brasil no mapa da biodiversidade não só como fornecedor de espécimes, como éramos há bem pouco tempo, mas como produtor de conhecimento. Parece ufanismo de minha parte, mas é muito complicado tentar elucidar padrões e processos evolutivos neotropicais partindo de exemplos de regiões temperadas. Estamos num crescente de geração de bons trabalhos e bons pesquisadores. Se os investimentos em Ciência e Tecnologia forem cortados por um período muito grande (digamos mais dois anos), nosso crescimento será momentâneo e o investimento terá sido em vão: voltaremos ao status de meros consumidores de conhecimento.

         É bem verdade que a crise que o Brasil enfrenta se fez muito clara para a comunidade científica. Os cortes no orçamento foram enormes, mas eu ainda guardava a esperança de que fosse um momento ruim, que passaria após a recuperação econômica. Essa esperança se baseava nos investimentos feitos anteriormente pelos governos petistas, que ampliaram (em muito) o aporte de verba para ciência e tecnologia. Depois da posse interina de Temer, e sob ameaça de posse definitiva, já não tenho esperanças (espero estar errada).

         Voltando à junção dos Ministérios, a Academia Brasileira de Ciências publicou um documento explicando que o Ministério de Ciência Tecnologia e Inovação tem missões muito diferentes do Ministério das Comunicações. No primeiro há projetos em diferentes âmbitos, que são propostos e julgados pela comunidade acadêmica, que tem seus próprios critérios de mérito. No segundo, que envolve empresas de rádio, TV, imprensa escrita, internet, correios etc, há concessões políticas e o envolvimento de grupos multimilionários. Claramente as duas coisas não são complementares nem compatíveis.

         Quando penso nessa fusão, imagino o dinheiro entrando no ministério e sendo redistribuído lá dentro. A distribuição será feita com que critérios? Meio a meio? Ou pelos critérios de interesse do governo interino? E se o governo interino se tornar permanente? E se as comunicações forem mais interessantes? (Alguém duvida que comunicações são mais interessantes que ciência para um grupo político que tomou o governo e precisa convencer a população de sua legitimidade?) E se eles acharem que ciência e tecnologia são coisas caras demais e que o Estado não deveria bancar?


         Penso que diante dessa fusão a comunidade científica tem que reagir, de forma contundente. O presidente interino já mostrou que não resiste a protestos. Os artistas ocuparam o Ministério da Cultura, protestaram, fizeram alarde na internet e conseguiram reverter a fusão do MinC com o Ministério da Educação. Onde estão os pesquisadores? E os estudantes de Pós-Graduação? E os de Graduação? Ou nos levantamos agora, juntos, independentemente de cores partidárias, ou amargaremos um futuro sombrio, sem grandes esperanças para a ciência brasileira.

2 comentários:

ViracenaArteCultura disse...

Pois é Karla, recentemente fiz um post para a SEDUFSM, nosso sindicato da UFSM. Nele apontava a necessidade de mobilização - e vi que teve uma certa ressonância. Percebo que estão caminhando nesse sentido. Evidente que existe uma dificuldade muito grande de nos expressarmos através de greves em nossa categoria de Docentes. Ela não tem sido eficaz. Entretanto, deveríamos ter mais poder de massa critica? Ou seja, inserirmos nossas cabeças em ações mais contundentes que precisam ser elaboradas por cada área de Ensino, Pesquisa e Extensão de acordo com nossos alcances e demandas específicos. Claro que muitos de nós, estamos mais mobilizados e indignados do que o normal - há uma empatia muito grande pela causa. Portanto, o momento é propício - mas não poderia cair num esvaziamento. Ouso em dizer que, talvez, no campo das ciências "duras""exatas" "biológicas" pudéssemos produzir papers que revelem como a produção acadêmica sofre com as consequencias dessas crises institucionais. Nâo sei se me faço entender. Mas seria algo como: Denunciar segundo as nossas próprias ferramentas. No caso das Cênicas, temos essa questão da visibilidade e da comunicação - performances, atos, ações, peças, musicas - tudo é jeito de denunciar e Mìdia para que te quero...Mídias científicas do mundo: Uni-vos.

Karla Yotoko disse...

O problema de papers é que só os pesquisadores lêem, o outro problema é que eles demoram a sair. Eu acho que tinha que ser contundente mesmo, envolver os estudantes de graduação e de pós, eles conseguem fazer um barulho muito maior que só os pesquisadores. Temos que ocupar os espaços e convencer a opinião pública de que a ciência é importante.