Depois de 16 meses de mandato
moribundo, a presidenta Dilma Roussef foi afastada por 180 dias de seu mandato,
por motivos questionáveis e por obra de congressistas no mínimo suspeitos. O problema
fundamental nesse processo foram os motivos alegados. Daqui pra frente qualquer
governo legitimamente eleito pode ser retirado do poder, basta que a maioria do
parlamento assim o decida. Não fosse assim, pelo menos 16 governadores também
deveriam ser impedidos e incontáveis outros políticos do executivo deveriam ser
investigados e indiciados, incluindo o próprio relator do impeachment no
Senado, o ex-governador de Minas Gerais, Antonio Anastasia (PSDB). Conforme audio
divulgado ontem pela Folha de São Paulo,
o processo foi deflagrado para impedir a continuidade das investigações da
Operação Lava-Jato, conduzida pela Polícia Federal.
Com
ou sem o aval da maioria da população, o afastamento é fato e Michel Temer
assumiu interinamente (é bom que se diga) o governo. Como primeiro ato, talvez
para impressionar os descontentes com a corrupção, reduziu o número de
ministérios. Esse ato é muito mais político do que uma medida efetiva de
economia: ele mostra à população que o governo não está disposto a gastar
o dinheiro da união com funcionários
públicos. Na prática não é bem assim, os concursados continuam e muitas vezes são colocados em funções para as quais não têm competência ou simplesmente ficam encostados. A massa aplaude!
Para reduzir o número de ministérios e ficar bem na foto, o interino propôs algumas junções espúrias e outras indesejáveis. O
Ministério da Cultura foi unido ao da Educação. Os artistas se rebelaram, fizeram manifestações nas ruas e na internet e conseguiram reverter o processo. Ponto para eles e um sinal claro para os demais descontentes: é possível reverter medidas que não agradem, o interino não é forte a ponto de manter medidas impopulares. A junção
que mais me preocupa enquanto pesquisadora é a do Ministério de Ciência,
Tecnologia e Inovação com o Ministério das Comunicações. A comunidade
científica reagiu, mas anteriormente, contra a possível indicação de um pastor
licenciado da Igreja Universal. Se não foi uma jogada de mestre, foi um golpe (ops! desculpe a palavra) de sorte, o que não parece verossímil. O fato é que o susto do primeiro anúncio
foi tão grande que a fusão com as Comunicações pareceu um alívio. Como diria um aluno meu, "o interino colocou um bode muito fedorento na sala, quando tirou, parece que o mundo ficou melhor!".
O bode saiu, mas o que veio depois não deveria ser um alívio. Acho que esse tipo de medida visa desvalorizar a
atividade científica. Isso é no mínimo temerário. Nos últimos 500 anos temos
sido produtores de matéria prima e consumidores de produtos elaborados, em
todas as áreas. Com um pouco mais de ciência e tecnologia, poderíamos
ambicionar ser mais que uma república de bananas, mas essa não parece ser a
vontade dos políticos que tomaram o poder. Ciência é uma atividade cara, que
além de tudo não produz resultados imediatos…
Além
disso, desvalorizando a atividade científica, o ensino superior, especialmente
nas universidades públicas, também sai perdendo. Isso, por sua vez derruba a
qualidade do ensino médio e fundamental, numa cascata que a longo prazo só fará
mal para a educação no país.
É
qualitativamente diferente ter como professores agentes de produção ou simples
repetidores de conhecimento. Na minha área esse fator é nítido. Uma aula de
evolução com exemplos locais é muito mais interessante que uma aula baseada em
exemplos do norte da Noruega com organismos que mal consigo traduzir o
nome. Outros ambientes, outros padrões, outros processos evolutivos.
Hoje
vejo ex-alunos meus que tiveram a oportunidade de se aprimorar no exterior (no
tão criticado Ciência Sem Fronteiras) e que voltaram com vontade e capacidade
de estudar a nossa biodiversidade. Essa moçada tem publicações em revistas de
real impacto (Nature, Science), projetando o Brasil no mapa da biodiversidade não
só como fornecedor de espécimes, como éramos há bem pouco tempo, mas como
produtor de conhecimento. Parece ufanismo de minha parte, mas é muito
complicado tentar elucidar padrões e processos evolutivos neotropicais partindo
de exemplos de regiões temperadas. Estamos num crescente de geração de bons
trabalhos e bons pesquisadores. Se os investimentos em Ciência e Tecnologia
forem cortados por um período muito grande (digamos mais dois anos), nosso
crescimento será momentâneo e o investimento terá sido em vão: voltaremos ao
status de meros consumidores de conhecimento.
É
bem verdade que a crise que o Brasil enfrenta se fez muito clara para a
comunidade científica. Os cortes no orçamento foram enormes, mas eu ainda
guardava a esperança de que fosse um momento ruim, que passaria após a
recuperação econômica. Essa esperança se baseava nos investimentos feitos
anteriormente pelos governos petistas, que ampliaram (em muito) o aporte de
verba para ciência e tecnologia. Depois da posse interina de Temer, e sob ameaça
de posse definitiva, já não tenho esperanças (espero estar errada).
Voltando
à junção dos Ministérios, a Academia Brasileira de Ciências publicou um
documento explicando que o Ministério de Ciência Tecnologia e
Inovação tem missões muito diferentes do Ministério das Comunicações. No
primeiro há projetos em diferentes âmbitos, que são propostos e julgados pela
comunidade acadêmica, que tem seus próprios critérios de mérito. No segundo,
que envolve empresas de rádio, TV, imprensa escrita, internet, correios etc, há
concessões políticas e o envolvimento de grupos multimilionários. Claramente as
duas coisas não são complementares nem compatíveis.
Quando
penso nessa fusão, imagino o dinheiro entrando no ministério e sendo
redistribuído lá dentro. A distribuição será feita com que critérios? Meio a
meio? Ou pelos critérios de interesse do governo interino? E se o governo
interino se tornar permanente? E se as comunicações forem mais interessantes?
(Alguém duvida que comunicações são mais interessantes que ciência para um
grupo político que tomou o governo e precisa convencer a população de sua
legitimidade?) E se eles acharem que ciência e tecnologia são coisas caras
demais e que o Estado não deveria bancar?
Penso
que diante dessa fusão a comunidade científica tem que reagir, de forma contundente.
O presidente interino já mostrou que não resiste a protestos. Os artistas
ocuparam o Ministério da Cultura, protestaram, fizeram alarde na internet e
conseguiram reverter a fusão do MinC com o Ministério da Educação. Onde estão
os pesquisadores? E os estudantes de Pós-Graduação? E os de Graduação? Ou nos levantamos agora,
juntos, independentemente de cores partidárias, ou amargaremos um futuro
sombrio, sem grandes esperanças para a ciência brasileira.