Uma coisa que sempre me incomodou (e muito) na universidade era a apatia da imensa maioria dos estudantes. Eu sentia que alguma coisa estava muito errada no sistema. Tinha a impressão que eu estava fazendo um esforço enorme no vácuo e a maior parte dos estudantes quando muito fingia que estava aprendendo. Corrigir provas era um suplício, um tal de estica, puxa, lê de novo e espreme pra tentar não dar zero numa questão...
Este semestre está diferente. Não sei se calhou de pegar duas turmas ótimas ou se esse é "um novo começo de era" como diria o Lulu Santos. É sério. As aulas estão mais leves. Os alunos, principalmente os de Evolução, estão estudando (de verdade) antes das aulas. Isso facilita o trabalho e me faz acreditar que estou formando uma geração de biólogos realmente comprometida e quiçá uma geração de bons professores que podem fazer a diferença.
Fiquei pensando se isso tem alguma relação com o que está rolando nas ruas. Será possível que as pessoas acordaram pra vida? Sempre fiz um discurso em sala de aula que o ensino dado aqui na universidade não é grátis, e sim patrocinado por todo o povo brasileiro. Na minha opinião, um estudante que não estuda (bem como um professor que não faz a sua parte) é tão ruim quanto um deputado que ao invés de cumprir seu dever, rouba dinheiro público.
Estou feliz. Muito feliz porque finalmente me sinto fazendo alguma diferença para o futuro da educação no Brasil. Minha parte é pequena, tem a ver com a formação de alguns dos futuros professores de biologia. Acho que formar bons professores é fundamental. Se formarmos maus professores o ciclo vicioso continua: maus professores, mal pagos, que ensinam mal e mantêm a população ignorante e analfabeta, como reza a cartilha do capitalismo, que precisa de mão de obra mal paga e obediente...
Outra coisa que me deixou feliz é que os estudantes finalmente estão mais abertos a discussões políticas (até bem pouco tempo política era uma palavra proibida, meio pecaminosa). Semana passada eles foram às ruas para protestar contra tudo que acham que está errado. Uma das coisas era que a saúde em Viçosa está falida, simplesmente não temos médicos para todo mundo e os hospitais estão um caos (só sei de ouvir falar, procuro nunca ir aos hospitais, outro dia fui atropelada por uma bicicleta e me recusei a competir por atendimento com gente que precisava mais que eu). O problema da saúde aqui é que a população flutuante é enorme... Isso significa que os estudantes e muitos dos professores utilizam a cidade como dormitório (no caso dos estudantes, quando eles não queriam dormir, faziam questão que ninguém mais dormisse também).
O problema disso é que as pessoas vivem aqui, comem aqui, deixam seus resíduos aqui (a cidade é bem suja pela falta de educação das pessoas) e não se dão ao trabalho de votar por aqui... Pra quem não sabe, os recursos do SUS, por exemplo, são distribuídos pelo número de eleitores do município. Se você não se compromete nem a votar por aqui (vereadores e prefeito interferem muito mais na sua vida do que o presidente da república!), como é que quer exigir serviços de qualidade? Sempre que eu falava disso, todos se esquivavam. Agora o papo está sendo levado a sério, e, pelo que soube, vários estudantes estão transferindo seus títulos para a cidade. Mais um ponto pra eles!
Fico mais feliz ainda em saber que não é só por aqui... Um colega de Ouro Preto (Sérvio Ribeiro) publicou outro dia no Facebook um depoimento do que viu na passeata que teve por lá. Dá vontade de chorar de alegria ao ler uma coisa dessas. Vou transcrever aqui a postagem dele sem pedir autorização, depois eu me explico com ele:
"UFOP – Universidade Federal de Outro Planeta. Um planeta estranho. Aqui os estudantes planejaram e organizaram junto com os moradores do centro histórico uma passeata pacífica e segura, com todos envolvidos na proteção das fachadas e monumentos. Estes estranhos seres deste planeta conseguiram o apoio de velhinhas e comerciantes neste processo, e nada foi vandalizado, e muito, tudo foi aplaudido. Esquisito mesmo é o Reitor do planeta, que reuniu com o Comandante da Polícia, de onde concordaram colaboração plena pela confluência pacífica de estudantes e policiais no protesto e na proteção da cidade e suas pessoas, e ainda por cima, ele, Reitor, também lá foi! Os estudantes deste planeta bizarro saíram do campus as 15:00, andaram quilômetros, lotaram a Praça Inconfidentes, cantaram o Hino Nacional com toda a população, e foram embora. Por volta das 18:30 estavam voltando ao nosso planeta, enchendo as cantinas, ordeiramente. As 19:00 enchiam minha sala de aula de evolução. Confesso que quis terminar mais cedo hoje, mas tinham muitas perguntas sobre a matéria e o debate do Gene Egoísta, e ficamos até um pouco mais das 22:00.
Aqui neste planeta, os meninos sabem que estão mudando o país, e seus próprios destinos, tudo ao mesmo tempo. Não sei como que daí onde estão vocês nos vem, mas posso dizer que desejo de coração aos meus colegas de outros planetas alunos como os do meu, dos quais muito me orgulho".
É isso, só queria registrar o fato de ter os melhores alunos que jamais tive na minha curta trajetória como professora. Sim, Sérvio, aqui no meu planeta, meus alunos também são motivo de muito orgulho. Tomara que seja só o começo, e que as coisas sejam cada vez melhores. Tenho certeza que se seguirmos por este caminho, em poucos anos teremos de verdade um país melhor.
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