segunda-feira, 24 de junho de 2013

Os protestos, a Dilma e os seus votos... Acorda cidadão!

Transcrevo aqui o desabafo de um colega de profissão, o Professor João Henrique dos Santos, da UFRJ. Apesar de termos muitas ideias diferentes, como nosso último voto para presidente (sim, eu votei na Dilma, fiz campanha pra ela e faria tudo de novo!), respeito muito a opinião e os palpites do João, que são bem mais embasados e informados que os meus. Ele postou este texto no FB, mas eu não consegui compartilhar. Pedi então autorização para postar aqui no meu blog e ele foi super gentil em conceder.

Aproveite, é uma boa análise dessa loucura que anda rolando pelo país...

"A democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos". (Winston Churchill)

Cada vez que vejo pedidos de impeachment da Sra. Presidenta (mas não os vejo direcionados a governadores e prefeitos, responsáveis mais imediatos pela gestão principal das pautas primárias: transporte público, saúde pública e educação básica), lembro-me do Marechal Castello Branco, em 1965, já Presidente, sobre os porraloucas:

"Eu os identifico a todos. São muitos deles os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas,vêm aos bivaques bulir com os granadeiros e provocar extravagâncias ao Poder Militar."

Pois é. A Dilma não serve? Diga isso em 2014 nas urnas! O mesmo para o seu Governador, se achar que ele não serve; idem para seus deputados e senadores; e também para seu Prefeito e vereadores em 2016. Nas urnas!


Mas seja quais forem os eleitos, o terão sido legitimamente. 


Fora disso, e sem qualquer base institucional, é golpismo.

Bobagem dizer que "ela não me representa". Representa, sim, pois é chefe do Poder Executivo do nosso país, eleita democraticamente, e por mais que eu discorde dela e de seu partido, ela é a Presidenta e, como tal, deve nos representar a todos.


Foi infeliz em seu pronunciamento, que mais parecia plataforma de "quando eu for presidente..."? Foi. Fez uma "reductio ab absurdo" da questão da saúde pública no Brasil. Tá. Foi a primeira chefe do Executivo a dizer bobagens em rede nacional? Não. Nem será a última.


A isso se responde com argumentos! Pedir a destituição da Dilma só porque ela falou bobagem, significa que teremos um presidente a cada meia hora, se for aplicado o mesmo critério.
Não votei na Dilma mas não vejo, institucionalmente, qualquer base para se iniciar algo do tipo "Fora, Dilma!". Os que apregoam isso (as "vivandeiras que vêm aos bivaques bulir com os granadeiros") sabem exatamente no tipo de crise de ingovernabilidade que isso pode trazer ao País. Ou nem fazem ideia e o repetem por oba-oba.


E talvez por não ter votado nela sinto-me bastante à vontade para registrar meu respeito por algumas de suas ações no Governo. O que não me impede de tê-la - e a todos os homens públicos - sob olhar crítico. E, graças a Deus, poder discordar dela, de seu partido, da direita e da esquerda, de qualquer partido, sempre que estes não estiverem "pelo justo e pelo certo".


Os cartazes de "Basta!" de hoje são os mesmos usados em 64 para depor um presidente - tal como Dilma, legitimamente eleito -, e o que se seguiu foram 21 anos de supressão da liberdade.


Manifestação apartidária ou suprapartidária não significa que os partidos políticos não possam se fazer representar. Dizer que "sem partido" é nazi-fascismo é bobagem: tanto o nazismo quanto o fascismo eram apoiados em partidos organizados. Mesmo o comunismo também era. E todos sabemos que todos os partidos estarão amanhã em suas campanhas eleitorais, mostrando imagens dos protestos e dizendo "nós estávamos lá", mesmo que não estivessem ou até que estivessem contra as manifestações.


Por fim, saber o que pedir e a quem pedir. A Dilma tem tanto poder de prender um corrupto como eu e você o temos; ou seja, nenhum. Quem emite a ordem de prisão é o Judiciário e quem efetiva a prisão é a Polícia, que é do executivo.


Não se peça o impossível e à pessoa errada! Só faltei ver gente pedindo a revogação da lei da gravidade...


Examinem as matérias pelas quais se erguem bandeiras. O Ministério Público (MP) não tem, em si, poder de investigação policial: seu poder é o da aceitação e processamento das denúncias e seu encaminhamento de denúncias ao Judiciário para indiciamento. Basta ver nas atribuições constitucionais do MP.


Mais grave é a PEC que quer subordinar as decisões do STF ao crivo do Congresso. Isso, sim, é usurpar as prerrogativas constitucionais de um Poder da República. Isso é um passo para gerar (mais uma) crise institucional.


Dizer "fora Feliciano!" ou "fora Renan!" ou "Fora Bolsonaro!" (meu Deus! Como a lista de vocês é pequena: a minha de "Foras" deve ser umas dez vezes maior) é inútil: eles foram legitimamente eleitos por gente que, como nós, vota. Se não queremos deputados e senadores como eles no Congresso, há um remédio simples e barato: o voto. Eles podem não nos representar (o que talvez nunca tenham querido), mas representam eleitores.


Enfim, as reivindicações pacíficas são legítimas e traduzem um verdadeiro descontentamento com uma série de coisas. Cabe às autoridades ouvir atentamente às vozes das ruas, e entender que as cobranças se dão na velocidade de um tweet. E viralizam.


Cabe às autoridades vir "dar a cara ao tapa". Quantos governadores disseram coisa com coisa? Quantos prefeitos?


Não queremos nem a deposição do czar nem a fundação do IV Reich. Queremos mais seriedade, coerência, honestidade e transparência na gestão da coisa pública. E isso depende de nós, unicamente de nós, pois nenhum desses de quem cobramos nasceu no cargo ou recebeu-o por herança: foi eleito! E por quem? Por nós! É só começarmos a votar melhor e essas mazelas começarão a terminar. Quem sabe até consigamos a revogação da lei da gravidade. 


Desculpem-me se o texto ficou longo demais. Foi mais um desabafo.



quinta-feira, 20 de junho de 2013

É isso aí, galera...

Uma coisa que sempre me incomodou (e muito) na universidade era a apatia da imensa maioria dos estudantes. Eu sentia que alguma coisa estava muito errada no sistema. Tinha a impressão que eu estava fazendo um esforço enorme no vácuo e a maior parte dos estudantes quando muito fingia que  estava aprendendo. Corrigir provas era um suplício, um tal de estica, puxa, lê de novo e espreme pra tentar não dar zero numa questão...

Este semestre está diferente. Não sei se calhou de pegar duas turmas ótimas ou se esse é "um novo começo de era" como diria o Lulu Santos. É sério. As aulas estão mais leves. Os alunos, principalmente os de Evolução, estão estudando (de verdade) antes das aulas. Isso facilita o trabalho e me faz acreditar que estou formando uma geração de biólogos realmente comprometida e quiçá uma geração de bons professores que podem fazer a diferença.

Fiquei pensando se isso tem alguma relação com o que está rolando nas ruas. Será possível que as pessoas acordaram pra vida? Sempre fiz um discurso em sala de aula que o ensino dado aqui na universidade não é grátis, e sim patrocinado por todo o povo brasileiro. Na minha opinião, um estudante que não estuda (bem como um professor que não faz a sua parte) é tão ruim quanto um deputado que ao invés de cumprir seu dever, rouba dinheiro público.

Estou feliz. Muito feliz porque finalmente me sinto fazendo alguma diferença para o futuro da educação no Brasil. Minha parte é pequena, tem a ver com a formação de alguns dos futuros professores de biologia. Acho que formar bons professores é fundamental. Se formarmos maus professores o ciclo vicioso continua: maus professores, mal pagos, que ensinam mal e mantêm a população ignorante e analfabeta, como reza a cartilha do capitalismo, que precisa de mão de obra mal paga e obediente...

Outra coisa que me deixou feliz é que os estudantes finalmente estão mais abertos a discussões políticas (até bem pouco tempo política era uma palavra proibida, meio pecaminosa). Semana passada eles foram às ruas para protestar contra tudo que acham que está errado. Uma das coisas era que a saúde em Viçosa está falida, simplesmente não temos médicos para todo mundo e os hospitais estão um caos (só sei de ouvir falar, procuro nunca ir aos hospitais, outro dia fui atropelada por uma bicicleta e me recusei a competir por atendimento com gente que precisava mais que eu). O problema da saúde aqui é que a população flutuante é enorme... Isso significa que os estudantes e muitos dos professores utilizam a cidade como dormitório (no caso dos estudantes, quando eles não queriam dormir, faziam questão que ninguém mais dormisse também).

O problema disso é que as pessoas vivem aqui, comem aqui, deixam seus resíduos aqui (a cidade é bem suja pela falta de educação das pessoas) e não se dão ao trabalho de votar por aqui... Pra quem não sabe, os recursos do SUS, por exemplo, são distribuídos pelo número de eleitores do município. Se você não se compromete nem a votar por aqui (vereadores e prefeito interferem muito mais na sua vida do que o presidente da república!), como é que quer exigir serviços de qualidade? Sempre que eu falava disso, todos se esquivavam. Agora o papo está sendo levado a sério, e, pelo que soube, vários estudantes estão transferindo seus títulos para a cidade. Mais um ponto pra eles!

Fico mais feliz ainda em saber que não é só por aqui... Um colega de Ouro Preto (Sérvio Ribeiro) publicou outro dia no Facebook um depoimento do que viu na passeata que teve por lá. Dá vontade de chorar de alegria ao ler uma coisa dessas. Vou transcrever aqui a postagem dele sem pedir autorização, depois eu me explico com ele:

"UFOP – Universidade Federal de Outro Planeta. Um planeta estranho. Aqui os estudantes planejaram e organizaram junto com os moradores do centro histórico uma passeata pacífica e segura, com todos envolvidos na proteção das fachadas e monumentos. Estes estranhos seres deste planeta conseguiram o apoio de velhinhas e comerciantes neste processo, e nada foi vandalizado, e muito, tudo foi aplaudido. Esquisito mesmo é o Reitor do planeta, que reuniu com o Comandante da Polícia, de onde concordaram colaboração plena pela confluência pacífica de estudantes e policiais no protesto e na proteção da cidade e suas pessoas, e ainda por cima, ele, Reitor, também lá foi! Os estudantes deste planeta bizarro saíram do campus as 15:00, andaram quilômetros, lotaram a Praça Inconfidentes, cantaram o Hino Nacional com toda a população, e foram embora. Por volta das 18:30 estavam voltando ao nosso planeta, enchendo as cantinas, ordeiramente. As 19:00 enchiam minha sala de aula de evolução. Confesso que quis terminar mais cedo hoje, mas tinham muitas perguntas sobre a matéria e o debate do Gene Egoísta, e ficamos até um pouco mais das 22:00.
Aqui neste planeta, os meninos sabem que estão mudando o país, e seus próprios destinos, tudo ao mesmo tempo. Não sei como que daí onde estão vocês nos vem, mas posso dizer que desejo de coração aos meus colegas de outros planetas alunos como os do meu, dos quais muito me orgulho".


É isso, só queria registrar o fato de ter os melhores alunos que jamais tive na minha curta trajetória como professora. Sim, Sérvio, aqui no meu planeta, meus alunos também são motivo de muito orgulho. Tomara que seja só o começo, e que as coisas sejam cada vez melhores. Tenho certeza que se seguirmos por este caminho, em poucos anos teremos de verdade um país melhor.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

"Etnias" brasileiras e o governo federal...

Estou morrendo de vontade de comprar uma briga com o Poder Público Federal. É uma pena, não vou poder, porque não recebi um comunicado da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas que muitos dos meus colegas receberam... Só para esclarecer, o comunicado foi recebido em casa ou no escaninho de vários professores e funcionários aqui da UFV.

Na primeira página, o documento diz que a mando do Ministério do Planejamento, a UFV precisa corrigir certas "inconsistências" referentes à "Etnia" de seus servidores. Confesso que isso em princípio não fez o menor sentido pra mim. O documento diz ainda que o servidor que não preencher o questionário anexo até o dia 10 de junho terá o ponto cortado (fica sem salário até resolver o problema da "Etnia").

Na página seguinte, o servidor deve marcar com um X a lacuna em frente à "Etnia" a que pertence, e as opções são: Branca, Negra, Amarela, Indígena ou Parda.

Alguém me explica porque o documento pede "Etnia" e dá opções de cores? (nem são cores, até onde sei, "indígena" também não é cor, acho que é o que chega mais perto de "Etnia" de todas as opções disponíveis...). Não há opção de "não desejo responder" conforme também consta do Lattes (sim, para atualizar o curriculum Lattes, que é essencial pra documentar a atividade dos pesquisadores, e sem o qual a probabilidade de conseguir qualquer financiamento para pesquisa é zero, é necessário indicar a "cor da pele" e não a "Etnia") e o servidor tem que escolher a qual "Etnia" pertence, sob pena de não receber seu salário.

Fui atrás e vi que a Declaração Universal de Direitos Humanos, artigo segundo, proíbe a "distinção, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação". Como a declaração não fala de "Etnias", fiquei com a impressão que eles puseram "Etnias" porque "cores" e "raças" ferem a declaração... Será que é tão raso assim o raciocínio??? Se for, é a mesma coisa que dizer que não podemos perguntar aos cidadãos suas preferências por consumo de carne, então perguntaríamos: "Qual a sua fruta preferida? ( ) boi; ( ) frango ou ( ) porco???"

Francamente, como geneticista, formada bem depois da segunda guerra mundial (momento na história em que as pessoas foram separadas por cor, religião e raça e deu no que deu), não consigo aceitar esse tipo de imposição. Um amigo, que entende de sociologia, afirmou que trata-se de assédio moral.

Fiquei também me perguntando porque não recebi o papel. Acho que eles concluíram, pelo meu sobrenome, ou minha foto da ficha cadastral que sou amarela e não se deram ao trabalho de me consultar. Gostaria de deixar claro que não me considero amarela, nem branca, e que isso não faz a menor diferença pra mim. Por que isso faria diferença pra alguém? Alguém me explica, por favor!