Parece ofensivo, mas achei muito produtivo...
Acabei de ler um livro que por puro acaso caiu nas minhas mãos: "Não Contem com o Fim do Livro", de Umberto Eco e Jean-Claude Carrière. Como ambos dispensam apresentações, vamos à parte que me chamou a atenção. Eles escreveram uma série de conversas onde fazem praticamente uma declaração de amor aos livros. São dois bibliófilos, que gastam muito dinheiro para conseguir raridades e falam de algumas delas ao longo do livro.
Em vários pontos do livro, Umberto Eco declara sua paixão pela burrice humana, e declara que se não fosse por ela, nossa história poderia ser muito diferente. Ele declarou ainda que muitos dos documentos (dentre os quais os livros) que chegaram ao nosso conhecimento, foram escritos por imbecis, cretinos e estúpidos. Esta mesma estupidez acabou filtrando o que foi escrito ao longo do tempo, através de atitudes cretinas ou mesmo de atos de vandalismo ou atos políticos de queima de livros (atos de estupidez, ou burrice?)
No trecho que vou transcrever aqui, Eco faz uma distinção entre o imbecil, o cretino e o estúpido...
"O cretino não nos interessa. É aquele que leva a colher à testa em vez de mirar na boca, é quem não compreende o que você lhe diz. Caso encerrado. A imbecilidade, por sua vez, é uma qualidade social, e você pode inclusive chamá-la de outra forma, uma vez que, para alguns "estúpido" e "imbecil" são a mesma coisa. O imbecil é aquele que vai dizer o que não deveria dizer num dado momento. É autor de gafes involuntárias. O estúpido é diferente, seu defeito não é social, mas lógico. À primeira vista, temos a impressão de que raciocina de forma correta.É difícil detectar à primeira vista o que não está batendo direito. Eis por que ele é perigoso."
Carrière completa:
"Pra mim, o estúpido não se contenta em enganar. Ele afirma seu erro em alto e bom som, proclama-o, quer que todos o ouçam. É inclusive surpreendente ver o quanto a estupidez é tonitruante: "Agora sabemos de fonte segura que..." e segue-se uma besteirada."..."Flaubert disse que a burrice é querer concluir. O imbecil pode chegar por si mesmo a soluções peremptórias, definitivas. Ele quer encerrar para sempre determinada questão. Mas essa burrice, frequentemente recebida como verdade por determinada sociedade, é para nós, como o recuo da história, extremamente instrutiva. A história da beleza e da inteligência à qual limitamos nosso ensino, ou melhor, à qual outros limitaram nosso ensino, não passa de uma parte ínfima da atividade humana..."
Depois de muita divagação sobre estúpidos e imbecis, Eco divaga sobre a burrice, que não seria "idêntica à estupidez. Seria antes uma maneira de administrar a estupidez",... "com orgulho e assiduidade".
É muito interessante ler como estes homens das letras tratam destes assuntos de forma despudorada e sem medo de ser politicamente incorretos.Fiquei pensando nas vezes em que me lembro (o cérebro é bastante seletivo neste quesito) de ter atitudes imbecis (nas milhares de manezadas que fiz na vida), e nas vezes que fui de fato estúpida. Esta definição de estupidez pode ser de grande ajuda para evitar novas atitudes estúpidas. A divagação sobre a burrice dói mais ainda, quantos atos estúpidos não foram bem administrados pela minha burrice?
A partir da definição comecei a pensar em todas as pessoas estúpidas que conheço (de fato não são poucas) e a confabular se seus atos estúpidos são pura ignorância ou se esta gente pretende manipular os outros com sua estupidez. É um caso a ser pensado e refletido...
Há quem pense que as definições são inúteis. Eu discordo. Nossa necessidade de nomear todas as coisas é parte da nossa essência. Conhecer determinadas definições pode encurtar minha tristeza em relação às outras pessoas. A definição da estupidez, por exemplo, é uma excelente maneira de me defender contra os estúpidos de plantão, que insistem em conviver comigo. É isso, criei uma nova categoria de pessoas. Antes eu tinha amigos, conhecidos, desconhecidos e inimigos. A partir de agora tenho amigos, conhecidos, desconhecidos, pessoas que considero estúpidas e inimigos. Isso é quase auto-ajuda, sobraram pouquíssimos (se é que soubrou algum) inimigos com quem eu tenha que me preocupar! (Será que isso foi uma estupidez???)
Mais que um blog de educação, que pretende discutir a relação professor-aluno, este blog também tem como objetivo (me) fazer refletir sobre a vida em sociedade e o papel da educação no direcionamento de novos cidadãos... Será que isso é realmente possível?
terça-feira, 13 de julho de 2010
quarta-feira, 7 de julho de 2010
Seleção (Discriminação) contra o Heterozigoto...
O Jornal da Ciência, publicação da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) publicou hoje o artigo que resolvi copiar e colar a seguir. Este artigo tem muito a ver com temas que são discutidos na sala de aula, principalmente quando falamos de seleção natural.
Ele tem algo mais, porque esbarra na discriminação genética, um novo tipo de preconceito que a sociedade vai ter que começar a encarar. Será necessário que os professores comecem a discutir este tipo de tema com seus estudantes na sala de aula também, a esperança é conseguir eliminar este tipo de preconceito antes que ele cresça na sociedade...
Eliminação de Diarra da Copa: ato de cuidado ou discriminação genética?,
artigo de Cristiano Guedes
"A discriminação genética é a expressão criada para descrever a opressão sofrida por pessoas no mundo do trabalho e no acesso a direitos fundamentais em virtude de características genéticas"
Cristiano Guedes é doutor em Ciências da Saúde e professor da Universidade de Brasília (UnB). Artigo enviado pelo autor ao "JC e-mail":
A seleção francesa estreou na copa da África do Sul sem o jogador Lassana Diarra. O atleta foi eliminado do mundial devido a problemas de saúde que levaram à descoberta da doença genética, a anemia falciforme. Durante os treinos preparatórios nos Alpes Franceses, região com elevadas altitudes, Diarra teria sofrido manifestações clínicas comuns a pessoas com essa doença. De uma só vez, ele ganhou o diagnóstico, a eliminação da copa e a necessidade de um período de descanso para restabelecimento de sua saúde. A eliminação de Diarra da Copa mostra um pouco da vida de pessoas com anemia falciforme pelo mundo.
Descoberta em 1910, esse tipo de anemia afeta o funcionamento das hemácias. Uma das funções das hemácias é o transporte de oxigênio. As pessoas com anemia falciforme possuem hemácias suscetíveis a alterações de formato, o que podem prejudicar o funcionamento do organismo.
Diarra teve problemas intestinais, segundo informações divulgadas pela equipe técnica da seleção francesa. A anemia falciforme também pode causar outros transtornos. A variabilidade clínica é uma das características da doença. Algumas pessoas podem apresentar vários sintomas que exigem tratamentos complexos, de transfusões sanguíneas a cirurgias. Porém, existem casos em que as consequências são raras e por essa razão o diagnóstico pode jamais ser feito ou ocorrer tardiamente. Esse parece ser o caso de Diarra.
Desde 2001, as maternidades brasileiras usam o teste do pezinho para diagnosticar a anemia falciforme. O exame precoce é importante porque as crianças com anemia falciforme são mais vulneráveis a doenças, necessitam de acompanhamento e tratamento específicos, como o acesso a medicamentos e vacinas adicionais não disponibilizadas a população em geral.
A cura para a anemia falciforme ainda não existe, mas o acompanhamento precoce é capaz de reduzir ou impedir suas manifestações e, consequentemente, elevar a expectativa de vida. Tanto o diagnóstico quanto o tratamento precoces apresentam baixos custos se comparados aos gastos para tratar as manifestações clínicas.
Apesar disso, nem todos os países possuem um sistema gratuito com acesso universal e enxergam a doença como uma prioridade na agenda de saúde pública, como o Brasil. Os serviços de diagnóstico e tratamento são escassos ou não existem, por exemplo, no continente africano, onde Diarra nasceu e existe a maior parcela mundial de pessoas vivendo com anemia falciforme.
A anemia falciforme é mais frequente entre pessoas negras e pode ter surgido no continente africano, de onde teria se disseminado mundialmente por meio do tráfico de escravos e se tornado uma questão de saúde pública de interesse comum.
No campo científico, os avanços na área do genoma humano sinalizam para novas possibilidades de tratamento e até mesmo a possibilidade de cura em longo prazo. Na esfera política, as medidas envolvendo a anemia falciforme também amadureceram.
Na década de 1970, países como os Estados Unidos criaram programas populacionais para testar e identificar precocemente pessoas com anemia falciforme. Os programas de testes não asseguravam tratamento e nem preservavam o sigilo em torno da identidade de quem era identificado. Consequentemente, as pessoas identificadas pelo governo estadunidense sofriam discriminação no mercado de trabalho, nos planos de saúde e seguros de vida.
O movimento negro de lá tornou-se um questionador dos programas de testagem em massa para anemia falciforme e passou a exigir a criação de protocolos de atendimento pautada pela observância de direitos humanos.
O episódio envolvendo o jogador Diarra pode ser considerado um convite à reflexão. É preciso analisar em que medida a humanidade conseguiu avançar na compreensão da doença e reconhecimento dos direitos das pessoas com anemia falciforme. Diarra personifica uma série de questões aos cientistas, profissionais de saúde, técnicos esportivos e elaboradores de políticas públicas: quais seriam os reais limites de uma pessoa vivendo com a anemia falciforme? Como explicar a trajetória profissional de um dos melhores jogadores de futebol do mundo apesar da anemia falciforme? Todas as pessoas com anemia falciforme devem ser privadas da prática de atividades esportivas profissionais e participação em campeonatos internacionais? A quem interessa o resultado de diagnóstico da anemia falciforme e como deve ser divulgado de modo a preservar a identidade das pessoas com a doença e ao mesmo tempo assegurar tratamento e acompanhamento necessário? Quais são os fatos e os mitos sobre a doença e como lidar com eles?
Essas perguntas precisam ser consideradas, sob pena de se cometerem injustiças. A eliminação de Diarra da seleção francesa pode ser descrita tanto como um ato de cuidado em saúde como também um ato de discriminação genética.
A discriminação genética é a expressão criada para descrever a opressão sofrida por pessoas no mundo do trabalho e no acesso a direitos fundamentais em virtude de características genéticas que possuem. Alguns têm sido discriminados no mundo do trabalho, onde são impedidos de ingressar como trabalhadores ou despedidos quando se descobre uma característica e/ou doença genética.
Algumas das doenças e traços genéticos não trazem nenhuma implicação imediata para as atividades laborais. Outras pessoas submetidas a testes são explorados por empresas de seguro de vida ou planos de saúde que enxergam no dado genético uma razão para elevar os preços cobrados ou mesmo impedir o ingresso.
Para se combater o fenômeno da discriminação genética, vários países tem investido na criação de leis com o objetivo específico de disciplinar o uso da informação genética e preservar os direitos de pessoas submetidas a testes. No Brasil, ainda são poucos os relatos sobre o fenômeno da discriminação genética e, no Congresso Nacional, existe um projeto de lei que há anos é debatido entre os parlamentares.
O episódio envolvendo a eliminação do jogador Diarra ainda não acabou. Devemos acompanhar qual será a atitude do Real Madrid em relação ao destacado jogador de meio-campo. Independentemente das decisões do clube espanhol, uma lição pode ser aprendida: é preciso cuidado com as profecias genéticas. Diarra e sua trajetória de sucesso no futebol mundial revelam as possibilidades e as potencialidades de uma vida com (ou apesar da) anemia falciforme".
Ele tem algo mais, porque esbarra na discriminação genética, um novo tipo de preconceito que a sociedade vai ter que começar a encarar. Será necessário que os professores comecem a discutir este tipo de tema com seus estudantes na sala de aula também, a esperança é conseguir eliminar este tipo de preconceito antes que ele cresça na sociedade...
Eliminação de Diarra da Copa: ato de cuidado ou discriminação genética?,
artigo de Cristiano Guedes
"A discriminação genética é a expressão criada para descrever a opressão sofrida por pessoas no mundo do trabalho e no acesso a direitos fundamentais em virtude de características genéticas"
Cristiano Guedes é doutor em Ciências da Saúde e professor da Universidade de Brasília (UnB). Artigo enviado pelo autor ao "JC e-mail":
A seleção francesa estreou na copa da África do Sul sem o jogador Lassana Diarra. O atleta foi eliminado do mundial devido a problemas de saúde que levaram à descoberta da doença genética, a anemia falciforme. Durante os treinos preparatórios nos Alpes Franceses, região com elevadas altitudes, Diarra teria sofrido manifestações clínicas comuns a pessoas com essa doença. De uma só vez, ele ganhou o diagnóstico, a eliminação da copa e a necessidade de um período de descanso para restabelecimento de sua saúde. A eliminação de Diarra da Copa mostra um pouco da vida de pessoas com anemia falciforme pelo mundo.
Descoberta em 1910, esse tipo de anemia afeta o funcionamento das hemácias. Uma das funções das hemácias é o transporte de oxigênio. As pessoas com anemia falciforme possuem hemácias suscetíveis a alterações de formato, o que podem prejudicar o funcionamento do organismo.
Diarra teve problemas intestinais, segundo informações divulgadas pela equipe técnica da seleção francesa. A anemia falciforme também pode causar outros transtornos. A variabilidade clínica é uma das características da doença. Algumas pessoas podem apresentar vários sintomas que exigem tratamentos complexos, de transfusões sanguíneas a cirurgias. Porém, existem casos em que as consequências são raras e por essa razão o diagnóstico pode jamais ser feito ou ocorrer tardiamente. Esse parece ser o caso de Diarra.
Desde 2001, as maternidades brasileiras usam o teste do pezinho para diagnosticar a anemia falciforme. O exame precoce é importante porque as crianças com anemia falciforme são mais vulneráveis a doenças, necessitam de acompanhamento e tratamento específicos, como o acesso a medicamentos e vacinas adicionais não disponibilizadas a população em geral.
A cura para a anemia falciforme ainda não existe, mas o acompanhamento precoce é capaz de reduzir ou impedir suas manifestações e, consequentemente, elevar a expectativa de vida. Tanto o diagnóstico quanto o tratamento precoces apresentam baixos custos se comparados aos gastos para tratar as manifestações clínicas.
Apesar disso, nem todos os países possuem um sistema gratuito com acesso universal e enxergam a doença como uma prioridade na agenda de saúde pública, como o Brasil. Os serviços de diagnóstico e tratamento são escassos ou não existem, por exemplo, no continente africano, onde Diarra nasceu e existe a maior parcela mundial de pessoas vivendo com anemia falciforme.
A anemia falciforme é mais frequente entre pessoas negras e pode ter surgido no continente africano, de onde teria se disseminado mundialmente por meio do tráfico de escravos e se tornado uma questão de saúde pública de interesse comum.
No campo científico, os avanços na área do genoma humano sinalizam para novas possibilidades de tratamento e até mesmo a possibilidade de cura em longo prazo. Na esfera política, as medidas envolvendo a anemia falciforme também amadureceram.
Na década de 1970, países como os Estados Unidos criaram programas populacionais para testar e identificar precocemente pessoas com anemia falciforme. Os programas de testes não asseguravam tratamento e nem preservavam o sigilo em torno da identidade de quem era identificado. Consequentemente, as pessoas identificadas pelo governo estadunidense sofriam discriminação no mercado de trabalho, nos planos de saúde e seguros de vida.
O movimento negro de lá tornou-se um questionador dos programas de testagem em massa para anemia falciforme e passou a exigir a criação de protocolos de atendimento pautada pela observância de direitos humanos.
O episódio envolvendo o jogador Diarra pode ser considerado um convite à reflexão. É preciso analisar em que medida a humanidade conseguiu avançar na compreensão da doença e reconhecimento dos direitos das pessoas com anemia falciforme. Diarra personifica uma série de questões aos cientistas, profissionais de saúde, técnicos esportivos e elaboradores de políticas públicas: quais seriam os reais limites de uma pessoa vivendo com a anemia falciforme? Como explicar a trajetória profissional de um dos melhores jogadores de futebol do mundo apesar da anemia falciforme? Todas as pessoas com anemia falciforme devem ser privadas da prática de atividades esportivas profissionais e participação em campeonatos internacionais? A quem interessa o resultado de diagnóstico da anemia falciforme e como deve ser divulgado de modo a preservar a identidade das pessoas com a doença e ao mesmo tempo assegurar tratamento e acompanhamento necessário? Quais são os fatos e os mitos sobre a doença e como lidar com eles?
Essas perguntas precisam ser consideradas, sob pena de se cometerem injustiças. A eliminação de Diarra da seleção francesa pode ser descrita tanto como um ato de cuidado em saúde como também um ato de discriminação genética.
A discriminação genética é a expressão criada para descrever a opressão sofrida por pessoas no mundo do trabalho e no acesso a direitos fundamentais em virtude de características genéticas que possuem. Alguns têm sido discriminados no mundo do trabalho, onde são impedidos de ingressar como trabalhadores ou despedidos quando se descobre uma característica e/ou doença genética.
Algumas das doenças e traços genéticos não trazem nenhuma implicação imediata para as atividades laborais. Outras pessoas submetidas a testes são explorados por empresas de seguro de vida ou planos de saúde que enxergam no dado genético uma razão para elevar os preços cobrados ou mesmo impedir o ingresso.
Para se combater o fenômeno da discriminação genética, vários países tem investido na criação de leis com o objetivo específico de disciplinar o uso da informação genética e preservar os direitos de pessoas submetidas a testes. No Brasil, ainda são poucos os relatos sobre o fenômeno da discriminação genética e, no Congresso Nacional, existe um projeto de lei que há anos é debatido entre os parlamentares.
O episódio envolvendo a eliminação do jogador Diarra ainda não acabou. Devemos acompanhar qual será a atitude do Real Madrid em relação ao destacado jogador de meio-campo. Independentemente das decisões do clube espanhol, uma lição pode ser aprendida: é preciso cuidado com as profecias genéticas. Diarra e sua trajetória de sucesso no futebol mundial revelam as possibilidades e as potencialidades de uma vida com (ou apesar da) anemia falciforme".
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