Tudo bem, o post sobre a inveja não rendeu nem um comentário, nem pra bem nem pra mal, o que mexeu um pouco com a minha vaidade...
Por falar nisso, outro pecado capital. Olha o que a Wikipedia define como vaidade:
"Vaidade é o desejo de atrair a admiração das outras pessoas. Uma pessoa vaidosa cria uma imagem pessoal para transmitir aos outros, com o objetivo de ser admirada. Mostra com extravagância seus pontos positivos e esconde seus pontos negativos. A vaidade é mais utilizada hoje para estética, visual e aparência da própria pessoa. A imagem de uma pessoa vaidosa estará geralmente em frente a um espelho, a exemplo de Narciso.
Uma pessoa vaidosa pode ser gananciosa, por querer obter algo valioso, mas é só para causar inveja nos outros.(que frase estranha!)
O que pelas lentes de alguns é asseio, ou glamour, ou fantasia, ou amor ao belo, ou elevação da auto-estima, pelas lentes de outros pode ser (parecer) vaidade. Nos Ensaios de Montaigne há um capítulo sobre a Vaidade. A Vaidade (também chamada de Orgulho ou Soberba) é considerada o mais grave dos pecados capitais."
Se for isso mesmo, a vaidade nada mais é que outro lado da moeda da inveja. Voltando a nosso ambiente ancestral, se por um lado nos esforçamos para eliminar os indivíduos belos e brilhantes, também nos esforçamos por parecer belos e brilhantes... E tudo isso para que? Para aumentar o sucesso reprodutivo.
Parece que a nossa personalidade, bem como nossos instintos mais primitivos, (que a Igreja considera como pecados sujeitos à condenação - os capitais) foram moldados por nossa necessidade de reprodução (quem não a tinha não deixou descendentes, por isso está fora da equação). Então temos que pensar em indivíduos na corda bamba: por um lado parecendo belos e brilhantes aos olhos dos demais e por outro lado tentando não ser assassinados quando convenciam os demais disso.
Não seria uma estratégia então não ser vaidoso para não chamar a atenção dos inimigos? Talvez houvesse quem, mesmo se esforçando, não parecesse nem belo nem brilhante. Talvez também houvesse quem fosse generoso a ponto de conviver bem com a beleza e o brilho alheios.
De qualquer forma, a vaidade, que é o pior pecado capital segundo a Igreja, hoje em dia é vista com bons olhos pela sociedade. É possível que sempre tenha sido bem vista, afinal, somos seres capazes de dissimulação, e a partir disso, é, e sempre foi, muito mais importante para os outros como você se mostra do que como você de fato é. Aliás, qual é mesmo a diferença?
Isso talvez justifique a corrida enlouquecida às clínicas de estética para melhorar não-sei-o-quê não-sei-onde, colocando silicone, esticando, puxando, rasgando, cortando, aspirando... O interessante é que se ganha muito dinheiro com a vaidade alheia. Tá aí, o pessoal que cuida, gosta e ganha muito dinheiro já sacou faz tempo como evoluímos e quais são nossas necessidades psicológicas básicas: uma delas é certamente garantir a próxima geração, o que nos leva a querer atrair parceiros e consequentemente nos leva às clínicas de beleza. Quer ganhar dinheiro? Mire em nossas características mais arraigadas, em nossas necessidades mais profundas, em nossos desejos mais primitivos, não tem jeito de errar.
Mais que um blog de educação, que pretende discutir a relação professor-aluno, este blog também tem como objetivo (me) fazer refletir sobre a vida em sociedade e o papel da educação no direcionamento de novos cidadãos... Será que isso é realmente possível?
segunda-feira, 25 de agosto de 2008
sexta-feira, 15 de agosto de 2008
7 pecados - a inveja
Ontem assisti a uma palestra do Zuenir Ventura, aqui mesmo, no auditório da UFV. Muito boa a palestra, além de muito istrutiva, muito divertida... Ao ser perguntado sobre como fora escrever Inveja-Mal Secreto, o autor afirmou que foi muito difícil escrever sobre isso, já que ele não conseguiu encontrar ninguém que se considerasse invejoso. Ele comentou que perguntou a um taxista se ele tinha inveja de alguém e ouviu na lata: "não senhor, eu sou é invejado!". É simplesmente um sentimento que ninguém em sã consciência assume em público, e quase ninguém assume nem para si mesmo... Por que será? Será que as pessoas simplesmente não sentem inveja ou será que é um sentimento tão vergonhoso que ninguém tem coragem de assumir?
Fiquei com isso na cabeça... Depois comecei a pensar nos sete pecados capitais e me veio uma luz: estes pecados estão diretamente relacionados com comportamentos que tivemos de assumir durante nossa evolução (enquanto espécie).
No caso da inveja, que é um sentimento mesquino e vil, o invejoso fica infeliz com a felicidade alheia. É como se a felicidade do invejoso dependesse da infelicidade do outro. Quer coisa mais politicamente incorreta que a inveja? (é, hoje em dia ser politicamente incorreto é muito pior que ser pecador ou vender a alma ao diabo).
Vou tentar explicar o cenário que me veio à mente: imagine um ser inteligente em um ambiente hostil, onde ele além de precisar caçar para sobreviver, ainda precisa atrair as fêmeas, sob o risco de não deixar descendentes e ter seus genes podados da face da Terra pelo efeito da seleção natural. Se reproduzir era então mais importante que tudo (em especial para os machos, para as fêmeas o problema é tradicionalmente menor). Agora imagine que este ser inteligente tem um rival que é mais forte, mais bonito, caça melhor e atrai mais fêmeas. É evidente que este rival precisa ser eliminado, o mais rápido possível. Fiquei pensando se a inveja não nasceu da necessidade de eliminar rivais brilhantes demais, que são bons em tudo, são bonitos e ainda atraem todas as fêmeas.
Neste ambiente ancestral, talvez matar um rival não fosse lá muito bem aceito pelo resto da tribo, em especial se esse rival é tão brilhante assim. No entanto, matar o rival na surdina pudesse ser uma solução razoável. E mais, é possível que o rival não representasse uma ameaça para apenas um homem e sim para vários.
Outra coisa que me veio à mente e me entristeceu um pouco, é que somos descendentes desses homens que se juntaram para matar criaturas belas e brilhantes em nome da competição. Será que a humanidade não poderia ser melhor em vários sentidos? O que me parece em relação à inveja, é que a herdamos e estamos condenados a sentir inveja, uns mais que outros, mas condenados. No ambiente atual as coisas são mais complicadas, não dá pra sair por aí armando emboscadas para os rivais. É preciso conviver com pessoas absolutamente mais bonitas e brilhantes que nós. É aí que acho que mora a tal da inveja, na constatação de que sempre há alguém melhor que eu em várias coisas e na outra constatação, a de que não posso fazer nada para eliminá-lo.
É evidente que há quem faça. Há quem mate, há quem machuque, há quem tire do caminho. Mas a maioria das pessoas não faz nada disso, a maioria nem admite que sente, mesmo que lá no fundo e de forma inofensiva, uma pontinha de inveja de outras.
Fiquei com isso na cabeça... Depois comecei a pensar nos sete pecados capitais e me veio uma luz: estes pecados estão diretamente relacionados com comportamentos que tivemos de assumir durante nossa evolução (enquanto espécie).
No caso da inveja, que é um sentimento mesquino e vil, o invejoso fica infeliz com a felicidade alheia. É como se a felicidade do invejoso dependesse da infelicidade do outro. Quer coisa mais politicamente incorreta que a inveja? (é, hoje em dia ser politicamente incorreto é muito pior que ser pecador ou vender a alma ao diabo).
Vou tentar explicar o cenário que me veio à mente: imagine um ser inteligente em um ambiente hostil, onde ele além de precisar caçar para sobreviver, ainda precisa atrair as fêmeas, sob o risco de não deixar descendentes e ter seus genes podados da face da Terra pelo efeito da seleção natural. Se reproduzir era então mais importante que tudo (em especial para os machos, para as fêmeas o problema é tradicionalmente menor). Agora imagine que este ser inteligente tem um rival que é mais forte, mais bonito, caça melhor e atrai mais fêmeas. É evidente que este rival precisa ser eliminado, o mais rápido possível. Fiquei pensando se a inveja não nasceu da necessidade de eliminar rivais brilhantes demais, que são bons em tudo, são bonitos e ainda atraem todas as fêmeas.
Neste ambiente ancestral, talvez matar um rival não fosse lá muito bem aceito pelo resto da tribo, em especial se esse rival é tão brilhante assim. No entanto, matar o rival na surdina pudesse ser uma solução razoável. E mais, é possível que o rival não representasse uma ameaça para apenas um homem e sim para vários.
Outra coisa que me veio à mente e me entristeceu um pouco, é que somos descendentes desses homens que se juntaram para matar criaturas belas e brilhantes em nome da competição. Será que a humanidade não poderia ser melhor em vários sentidos? O que me parece em relação à inveja, é que a herdamos e estamos condenados a sentir inveja, uns mais que outros, mas condenados. No ambiente atual as coisas são mais complicadas, não dá pra sair por aí armando emboscadas para os rivais. É preciso conviver com pessoas absolutamente mais bonitas e brilhantes que nós. É aí que acho que mora a tal da inveja, na constatação de que sempre há alguém melhor que eu em várias coisas e na outra constatação, a de que não posso fazer nada para eliminá-lo.
É evidente que há quem faça. Há quem mate, há quem machuque, há quem tire do caminho. Mas a maioria das pessoas não faz nada disso, a maioria nem admite que sente, mesmo que lá no fundo e de forma inofensiva, uma pontinha de inveja de outras.
terça-feira, 22 de abril de 2008
caranguejo samurai
Achei o documentário que procurava a anos... Acho que foi a primeira vez que ouvi falar de seleção natural da vida, não sei dizer quantos anos tinha, só sei que me marcou de maneira tal que muito tempo depois, quando assisti à aula de seleção natural, foi o que me veio à mente.
Como eu costumo dizer nesse blog, viva o YouTube!!!
Como eu costumo dizer nesse blog, viva o YouTube!!!
quarta-feira, 2 de abril de 2008
SEXO!!!
Como eu já disse aqui no blog, dou aula de genética básica para alunos dos mais diversos cursos das áreas de ciências biológicas e agrárias aqui da UFV. Já dei este curso também na UFJF, na época de professora substituta. Uma aula que sempre me frustrou pela baixa audiência foi a famigerada aula de mitose e meiose.
Na época que eu passava a lista de chamada, o pessoal assinava a lista e saía da sala disfarçadamente (às vezes nem tanto) durante a aula. Uma vez contei 58 nomes na lista e 5 alunos na sala. Nem preciso dizer que quase chorei de frustração (não chorei porque japonês não chora em público, senão tinha aberto o berreiro ali mesmo). Sempre me senti mais incompetente para abordar este assunto do que os outros...
Bom, depois de um tempo percebi que esta aula não desperta o interesse dos alunos simplesmente porque eles já viram isso em biologia celular, microbiologia, bioquímica, embriologia, histologia e talvez em outras matérias, além de terem visto no primeiro e no segundo grau. Haja mitose e meiose na cabeça deles e haja decoreba de nomes de fases (prófase, metáfase, anáfase, telófase), sem falar nas fases intermediárias, que eu não gosto nem de lembrar os nomes.
O problema é que não tem jeito, se eu não falar pelo menos de meiose em algum ponto do curso, pra lembrar a eles que a segregação dos cromossomos é independente, e que acontece o crossing-over em algum ponto entre a prófase1 e a metáfase1, não dá pra falar de ligação gênica, daí eles nunca vão saber porque algumas características parecem estar ligadas e não se segregam independentemente como previra Mendel. (Eu sei que você deve estar se perguntando para quê uma pessoa deve saber isso. Vale lembrar que são todos alunos de biológicas ou agrárias, portanto têm de ter um entendimento mínimo de como as características são passadas de uma geração para a outra e de como prever resultados de cruzamentos. Os agrônomos, veterinários, zootecnistas e engenheiros florestais trabalham diretamente com melhoramento, e sem entender genética, não há melhoramento razoável possível. Os biólogos deviam querer entender só pra entender evolução, que a meu ver é o que faz sentido dentro da biologia).
Resolvi então modificar completamente a minha aula. Sei, há bastante tempo, que para fazer com que um grande número de pessoas preste atenção em mim, basta falar de sexo. Isso funciona melhor que oferecer comida, caso não se trate de um bando de famintos. Se o objetivo era chamar a atenção para algo que acontece durante a meiose (o “crossing-over”), então estava justificado falar de sexo mais que em qualquer outra aula.
Joguei algumas palavras no quadro: vida, entropia, reprodução, sexo, morte, estrelas, e comecei a trocar idéia com os meninos (um observador mais desatento pode achar que sou esotérica, mas isso é só impressão). Todo mundo sabe que sexo é um assunto que anda na cabeça de todo mundo que já passou pela puberdade. Por que será que temos esse tipo de comportamento? Por causa da seleção natural. Veja bem, sexo é uma coisa que dá trabalho e gasta uma energia danada (isso sem falar no ridículo que algumas pessoas passam para convencer outra de que deve fazer sexo com ela). Se é assim, deve Haver um estímulo muito grande para que as pessoas busquem fazer sexo, e este estímulo é basicamente hormonal: seus hormônios fazem que você pense em sexo em pelo menos 90% do tempo. Se você acha que você não é assim é porque não pensou no assunto direito.
Me explico: se você está estudando, é porque acredita, em certa medida, que vai ser bem sucedido na vida, o que pode se refletir em um bom salário ou num trabalho decente e respeitado, afinal você está estudando pra isso. Se você quer ser respeitado ou ter dinheiro, é porque, direta ou indiretamente, está pensando em um dia construir uma família, ter uma companhia e filhos. Não está pensando em família? Não tem problema, você deve estar pensando em comer todas as mulheres que cruzem o seu caminho. Tá vendo? Não tem escapatória, até quando você passa noites em claro sem dormir estudando pra prova de genética ou de cálculo, está pensando em sexo.
Tem mais, o ato sexual em si é uma atividade extremamente prazerosa. Dizem os estudiosos que “sexo ruim é bom e sexo bom é ótimo”, ou seja, que o “fazer sexo” faz bem para a saúde porque libera várias substâncias que acabam gerando felicidade nas pessoas (isso vale pra maioria dos animais também). O resultado disso é que quanto mais se faz, mais se quer. É aí que entra a seleção natural. Se os animais são levados por instinto e por busca de prazer a fazer sexo, isso aumenta as chances de que se reproduzam e portanto que façam com que a espécie prospere no planeta.
Indo para o terreno da filosofia, Aristófenes criou uma lenda de que os seres humanos eram criaturas duplas, que podiam ser a junção de um homem e uma mulher, dois homens e duas mulheres. Eram criaturas maravilhosas e completas em si, a ponto de serem arrogantes. Zeus, o rei dos Deuses se incomodou com esta arrogância e decidiu dividir essas criaturas em dois, cortou e amarrou os umbigos. Desde então, todos nós estamos pelo mundo buscando a nossa outra metade, para que enfim possamos ser completos.
A maior parte da literatura de sucesso que já foi produzida pela humanidade fala de amor, sexo e traição. Freud, em sua teoria, aponta a sexualidade como responsável por moldar grande parte do nosso comportamento.
Curiosamente, conforme já mencionado neste blog, a origem da reprodução sexuada (que envolve meiose e fecundação) teve origem conjunta com a morte. Daí a associação que existe na literatura entre sexo e morte, as histórias todas de morrer de amor e tudo mais.
Quando se fala de vida, fala-se basicamente de organismos capazes de produzir cópias de si mesmo, ou seja, fala-se de reprodução. A vida não existiria no planeta caso não houvesse uma tendência à reprodução intrínseca nos organismos (daí porque a reprodução tem que estar no conceito de vida, seja ele qual for). Bom, se falamos de vida, também é preciso falar de entropia, já que a vida é uma espécie de “entropia negativa” (li isso em algum lugar, mas agora sou incapaz de citar a fonte). Em todo caso, o universo tende ao equilíbrio, que significa um estado de entropia máxima. Para “fugir da entropia”, é preciso gastar energia, daí a importância das estrelas (no caso o Sol) na nossa vida. (Isso tudo vem da idéia de que gastamos ATP nas nossas reações químicas, que no fundo mantêm a nossa vida. Este ATP vem, em última instância, do alimento que ingerimos. Se ingerimos carne, esta carne já foi viva, e, direta ou indiretamente se alimentou das plantas, que fizeram fotossíntese utilizando a energia solar).
Já que estamos falando de organização e do gasto de energia que isso requer, por que não entrar na mitose e na meiose? No YouTube (viva o YouTube!) tem vários vídeos com animações de mitose e meiose, vou colocar dois aqui só para ilustrar.
Sabemos que as características, bem como os cromossomos são passados de uma geração para a outra, de forma que damos origem, depois da fecundação, a organismos muito similares (que também têm algumas diferenças) a nós mesmos. Estes cromossomos nada mais são do que fitas de DNA complexadas com proteínas, que precisam se manter parcialmente relaxadas para que haja a transcrição de RNA. Quando se inicia a meiose ou a mitose, os cromossomos estão relaxados e se duplicam. É desta duplicação que depende a perpetuação das características. Depois disso, a cromatina se condensa, formando os cromossomos propriamente ditos. Se você não entende o porquê da condensação, uma boa metáfora é pensar em comprar lã. Você pode comprar um novelo, que está organizado, ou então pensar que as lojas poderiam todos os fios jogados em um balaio, e cada freguês que se vire pra pegar só a cor que lhe interessa. Com isso quero dizer que estando condensados, os cromossomos podem ser igualmente divididos nas células filhas, tanto na mitose quanto na meiose.
Acho que os vídeos são auto-explicativos. Espero que o texto tenha feito sentido. Espero que a aula tenha servido pra alguma coisa. Reparando o comportamento dos alunos, vi vários deles muito interessados. Um deles dormiu, e dois saíram da sala de aula. A boa notícia é que a sala continuou cheia (mais de 50, dos sessenta e poucos matriculados, ficaram). Pra quem contou cinco da primeira vez que tentou dar essa aula, foi um salto quantitativo e tanto. Espero que isso se reflita no aprendizado dos alunos, e que tenha servido pra alguma coisa, nem que seja pra entender porque gostamos tanto de sexo quanto odiamos aulas de mitose e meiose.
Na época que eu passava a lista de chamada, o pessoal assinava a lista e saía da sala disfarçadamente (às vezes nem tanto) durante a aula. Uma vez contei 58 nomes na lista e 5 alunos na sala. Nem preciso dizer que quase chorei de frustração (não chorei porque japonês não chora em público, senão tinha aberto o berreiro ali mesmo). Sempre me senti mais incompetente para abordar este assunto do que os outros...
Bom, depois de um tempo percebi que esta aula não desperta o interesse dos alunos simplesmente porque eles já viram isso em biologia celular, microbiologia, bioquímica, embriologia, histologia e talvez em outras matérias, além de terem visto no primeiro e no segundo grau. Haja mitose e meiose na cabeça deles e haja decoreba de nomes de fases (prófase, metáfase, anáfase, telófase), sem falar nas fases intermediárias, que eu não gosto nem de lembrar os nomes.
O problema é que não tem jeito, se eu não falar pelo menos de meiose em algum ponto do curso, pra lembrar a eles que a segregação dos cromossomos é independente, e que acontece o crossing-over em algum ponto entre a prófase1 e a metáfase1, não dá pra falar de ligação gênica, daí eles nunca vão saber porque algumas características parecem estar ligadas e não se segregam independentemente como previra Mendel. (Eu sei que você deve estar se perguntando para quê uma pessoa deve saber isso. Vale lembrar que são todos alunos de biológicas ou agrárias, portanto têm de ter um entendimento mínimo de como as características são passadas de uma geração para a outra e de como prever resultados de cruzamentos. Os agrônomos, veterinários, zootecnistas e engenheiros florestais trabalham diretamente com melhoramento, e sem entender genética, não há melhoramento razoável possível. Os biólogos deviam querer entender só pra entender evolução, que a meu ver é o que faz sentido dentro da biologia).
Resolvi então modificar completamente a minha aula. Sei, há bastante tempo, que para fazer com que um grande número de pessoas preste atenção em mim, basta falar de sexo. Isso funciona melhor que oferecer comida, caso não se trate de um bando de famintos. Se o objetivo era chamar a atenção para algo que acontece durante a meiose (o “crossing-over”), então estava justificado falar de sexo mais que em qualquer outra aula.
Joguei algumas palavras no quadro: vida, entropia, reprodução, sexo, morte, estrelas, e comecei a trocar idéia com os meninos (um observador mais desatento pode achar que sou esotérica, mas isso é só impressão). Todo mundo sabe que sexo é um assunto que anda na cabeça de todo mundo que já passou pela puberdade. Por que será que temos esse tipo de comportamento? Por causa da seleção natural. Veja bem, sexo é uma coisa que dá trabalho e gasta uma energia danada (isso sem falar no ridículo que algumas pessoas passam para convencer outra de que deve fazer sexo com ela). Se é assim, deve Haver um estímulo muito grande para que as pessoas busquem fazer sexo, e este estímulo é basicamente hormonal: seus hormônios fazem que você pense em sexo em pelo menos 90% do tempo. Se você acha que você não é assim é porque não pensou no assunto direito.
Me explico: se você está estudando, é porque acredita, em certa medida, que vai ser bem sucedido na vida, o que pode se refletir em um bom salário ou num trabalho decente e respeitado, afinal você está estudando pra isso. Se você quer ser respeitado ou ter dinheiro, é porque, direta ou indiretamente, está pensando em um dia construir uma família, ter uma companhia e filhos. Não está pensando em família? Não tem problema, você deve estar pensando em comer todas as mulheres que cruzem o seu caminho. Tá vendo? Não tem escapatória, até quando você passa noites em claro sem dormir estudando pra prova de genética ou de cálculo, está pensando em sexo.
Tem mais, o ato sexual em si é uma atividade extremamente prazerosa. Dizem os estudiosos que “sexo ruim é bom e sexo bom é ótimo”, ou seja, que o “fazer sexo” faz bem para a saúde porque libera várias substâncias que acabam gerando felicidade nas pessoas (isso vale pra maioria dos animais também). O resultado disso é que quanto mais se faz, mais se quer. É aí que entra a seleção natural. Se os animais são levados por instinto e por busca de prazer a fazer sexo, isso aumenta as chances de que se reproduzam e portanto que façam com que a espécie prospere no planeta.
Indo para o terreno da filosofia, Aristófenes criou uma lenda de que os seres humanos eram criaturas duplas, que podiam ser a junção de um homem e uma mulher, dois homens e duas mulheres. Eram criaturas maravilhosas e completas em si, a ponto de serem arrogantes. Zeus, o rei dos Deuses se incomodou com esta arrogância e decidiu dividir essas criaturas em dois, cortou e amarrou os umbigos. Desde então, todos nós estamos pelo mundo buscando a nossa outra metade, para que enfim possamos ser completos.
A maior parte da literatura de sucesso que já foi produzida pela humanidade fala de amor, sexo e traição. Freud, em sua teoria, aponta a sexualidade como responsável por moldar grande parte do nosso comportamento.
Curiosamente, conforme já mencionado neste blog, a origem da reprodução sexuada (que envolve meiose e fecundação) teve origem conjunta com a morte. Daí a associação que existe na literatura entre sexo e morte, as histórias todas de morrer de amor e tudo mais.
Quando se fala de vida, fala-se basicamente de organismos capazes de produzir cópias de si mesmo, ou seja, fala-se de reprodução. A vida não existiria no planeta caso não houvesse uma tendência à reprodução intrínseca nos organismos (daí porque a reprodução tem que estar no conceito de vida, seja ele qual for). Bom, se falamos de vida, também é preciso falar de entropia, já que a vida é uma espécie de “entropia negativa” (li isso em algum lugar, mas agora sou incapaz de citar a fonte). Em todo caso, o universo tende ao equilíbrio, que significa um estado de entropia máxima. Para “fugir da entropia”, é preciso gastar energia, daí a importância das estrelas (no caso o Sol) na nossa vida. (Isso tudo vem da idéia de que gastamos ATP nas nossas reações químicas, que no fundo mantêm a nossa vida. Este ATP vem, em última instância, do alimento que ingerimos. Se ingerimos carne, esta carne já foi viva, e, direta ou indiretamente se alimentou das plantas, que fizeram fotossíntese utilizando a energia solar).
Já que estamos falando de organização e do gasto de energia que isso requer, por que não entrar na mitose e na meiose? No YouTube (viva o YouTube!) tem vários vídeos com animações de mitose e meiose, vou colocar dois aqui só para ilustrar.
Sabemos que as características, bem como os cromossomos são passados de uma geração para a outra, de forma que damos origem, depois da fecundação, a organismos muito similares (que também têm algumas diferenças) a nós mesmos. Estes cromossomos nada mais são do que fitas de DNA complexadas com proteínas, que precisam se manter parcialmente relaxadas para que haja a transcrição de RNA. Quando se inicia a meiose ou a mitose, os cromossomos estão relaxados e se duplicam. É desta duplicação que depende a perpetuação das características. Depois disso, a cromatina se condensa, formando os cromossomos propriamente ditos. Se você não entende o porquê da condensação, uma boa metáfora é pensar em comprar lã. Você pode comprar um novelo, que está organizado, ou então pensar que as lojas poderiam todos os fios jogados em um balaio, e cada freguês que se vire pra pegar só a cor que lhe interessa. Com isso quero dizer que estando condensados, os cromossomos podem ser igualmente divididos nas células filhas, tanto na mitose quanto na meiose.
Acho que os vídeos são auto-explicativos. Espero que o texto tenha feito sentido. Espero que a aula tenha servido pra alguma coisa. Reparando o comportamento dos alunos, vi vários deles muito interessados. Um deles dormiu, e dois saíram da sala de aula. A boa notícia é que a sala continuou cheia (mais de 50, dos sessenta e poucos matriculados, ficaram). Pra quem contou cinco da primeira vez que tentou dar essa aula, foi um salto quantitativo e tanto. Espero que isso se reflita no aprendizado dos alunos, e que tenha servido pra alguma coisa, nem que seja pra entender porque gostamos tanto de sexo quanto odiamos aulas de mitose e meiose.
sexta-feira, 28 de março de 2008
o que é isso, professor?
Uma coisa que eu faço questão de fazer é dar o mesmo tratamento para todas as pessoas que conheço ou que eventualmente cruzam o meu caminho. Gostaria de ser tratada assim por todo mundo, acho, inclusive que se todo mundo se tratasse assim o mundo ia ser um lugar mais bacana de se viver. Enfim, se tenho que trocar idéias com professores, alunos ou quem quer que seja, trato meus interlocutores de igual para igual e procuro (nem sempre consigo) ouvir mais do que falar.
Quando estou discutindo com alguém também procedo da mesma maneira, não faço distinção se estou discutindo com um professor ou com um aluno, se estiver de fato irritada vou acabar sendo irônica com quem quer que seja e admito ser bem desagradável nessas horas (estou tentando mudar isso, mas é complicado). O que não faço nunca é impor minha posição de professora para falar mais alto ou tentar calar quem está discutindo comigo. Não me sinto melhor que ninguém por motivo algum e também não aceito que ninguém tente impor qualquer tipo de hierarquia sobre mim, nunca fui muito afeita a aceitar autoridade mesmo (o que já me causou problemas e de fato não recomendo pra ninguém).
Bom, hoje numa discussão um tanto quanto acalorada pela defesa de pontos de vista, um colega se sentiu bastante ofendido durante a discussão. Ele me chamou o tempo todo de senhora (o que me irritou profundamente) enquanto eu o tratava por você (me parece óbvio que posso tratar por você um sujeito que tem a mesma idade que eu). Ele ficou ofendido por isso, me disse que estava me tratando por senhora em sinal de “respeito”, e que eu deveria fazer o mesmo já que ele é um professor... Fez todo um discurso, um tanto quanto inflado dizendo que, por ser ele um professor, deveria ter um tratamento diferenciado.
Eu valorizo muito a profissão de professor, acho que não preciso nem escrever isso, foi essa a profissão que escolhi para mim. Daí a acreditar que o tratamento formal indica respeito por parte de alunos e colegas me parece inapropriado e um tanto quanto exagerado. Me formei em uma instituição onde tudo era muito informal, sempre tratei meus professores, mesmo os mais titulados, pelo nome, e muitas vezes pelo apelido. Se tenho respeito por eles? É claro que sim, mas isso não se traduz no tratamento formal e sim na reverência em sempre procurar escutar o que dizem, principalmente quando me dão o prazer de conversar comigo (é sempre um prazer conversar com pessoas cultas e inteligentes, sem dúvida alguma. Cabe ressaltar que jamais vi um professor titular renomado exigindo ser chamado de senhor, acho que estas coisas nem passam pela cabeça deles)
Apesar disso, e por mais que eu proteste, alguns alunos insistem em me chamar de senhora. Fazer o que? Às vezes sinto que um determinado aluno me odeia e precisamente por isso me chama de senhora e que se pudesse diria: "a senhora vá para aquele ilustríssimo lugar..." Acho que é a meia idade chegando, por isso me irrito tanto com este tratamento formal. Quando eu finalmente aceitar que todo mundo envelhece e que vai ser assim daqui pra frente talvez não me irrite tanto. Só não consigo aceitar que alguém da minha idade, ou mais novo que eu, como era o caso do referido professor, já tenha tantos vícios desta academia que pretenda ser tratado de maneira diferencial só porque é professor.
Tenho pra mim que respeito vai além do tratamento formal, e mais, respeito se conquista e não se impõe (como se isso fosse novidade pra alguém...). É professor, acho que nós dois temos muito que aprender. Eu tenho que escutar mais e me exaltar menos durante uma discussão COM QUEM QUER QUE SEJA e o senhor, bom, acho que o senhor devia rever seus conceitos, pelo menos o de respeito.
Quando estou discutindo com alguém também procedo da mesma maneira, não faço distinção se estou discutindo com um professor ou com um aluno, se estiver de fato irritada vou acabar sendo irônica com quem quer que seja e admito ser bem desagradável nessas horas (estou tentando mudar isso, mas é complicado). O que não faço nunca é impor minha posição de professora para falar mais alto ou tentar calar quem está discutindo comigo. Não me sinto melhor que ninguém por motivo algum e também não aceito que ninguém tente impor qualquer tipo de hierarquia sobre mim, nunca fui muito afeita a aceitar autoridade mesmo (o que já me causou problemas e de fato não recomendo pra ninguém).
Bom, hoje numa discussão um tanto quanto acalorada pela defesa de pontos de vista, um colega se sentiu bastante ofendido durante a discussão. Ele me chamou o tempo todo de senhora (o que me irritou profundamente) enquanto eu o tratava por você (me parece óbvio que posso tratar por você um sujeito que tem a mesma idade que eu). Ele ficou ofendido por isso, me disse que estava me tratando por senhora em sinal de “respeito”, e que eu deveria fazer o mesmo já que ele é um professor... Fez todo um discurso, um tanto quanto inflado dizendo que, por ser ele um professor, deveria ter um tratamento diferenciado.
Eu valorizo muito a profissão de professor, acho que não preciso nem escrever isso, foi essa a profissão que escolhi para mim. Daí a acreditar que o tratamento formal indica respeito por parte de alunos e colegas me parece inapropriado e um tanto quanto exagerado. Me formei em uma instituição onde tudo era muito informal, sempre tratei meus professores, mesmo os mais titulados, pelo nome, e muitas vezes pelo apelido. Se tenho respeito por eles? É claro que sim, mas isso não se traduz no tratamento formal e sim na reverência em sempre procurar escutar o que dizem, principalmente quando me dão o prazer de conversar comigo (é sempre um prazer conversar com pessoas cultas e inteligentes, sem dúvida alguma. Cabe ressaltar que jamais vi um professor titular renomado exigindo ser chamado de senhor, acho que estas coisas nem passam pela cabeça deles)
Apesar disso, e por mais que eu proteste, alguns alunos insistem em me chamar de senhora. Fazer o que? Às vezes sinto que um determinado aluno me odeia e precisamente por isso me chama de senhora e que se pudesse diria: "a senhora vá para aquele ilustríssimo lugar..." Acho que é a meia idade chegando, por isso me irrito tanto com este tratamento formal. Quando eu finalmente aceitar que todo mundo envelhece e que vai ser assim daqui pra frente talvez não me irrite tanto. Só não consigo aceitar que alguém da minha idade, ou mais novo que eu, como era o caso do referido professor, já tenha tantos vícios desta academia que pretenda ser tratado de maneira diferencial só porque é professor.
Tenho pra mim que respeito vai além do tratamento formal, e mais, respeito se conquista e não se impõe (como se isso fosse novidade pra alguém...). É professor, acho que nós dois temos muito que aprender. Eu tenho que escutar mais e me exaltar menos durante uma discussão COM QUEM QUER QUE SEJA e o senhor, bom, acho que o senhor devia rever seus conceitos, pelo menos o de respeito.
quarta-feira, 26 de março de 2008
boas idéias
As boas idéias merecem mesmo ser divulgadas... Essa daí é uma ferramenta super útil desenvolvida por um amigo meu. Tomara que seja útil pra todo mundo...
Está no ar o Ciência-clipping. É um programa para automatizar clipping jornalístico de ciência & tecnologia. Pode ser usado gratuitamente, a partir do site mesmo, ou baixado e instalado.
Adoraria contar com a ajuda de vocês para testar, divulgar, opinar, criticar, etc...
Ele mora em www.ciencia-clipping.com.br. Lá tem mais detalhes sobre o que ele faz, e um formulário para assinar o serviço.
Obrigado!
Bruno Buys
Está no ar o Ciência-clipping. É um programa para automatizar clipping jornalístico de ciência & tecnologia. Pode ser usado gratuitamente, a partir do site mesmo, ou baixado e instalado.
Adoraria contar com a ajuda de vocês para testar, divulgar, opinar, criticar, etc...
Ele mora em www.ciencia-clipping.com.br. Lá tem mais detalhes sobre o que ele faz, e um formulário para assinar o serviço.
Obrigado!
Bruno Buys
quarta-feira, 12 de março de 2008
artigos, publicações, autorias e outros bichos
Uma vez tive uma aula bem interessante, numa disciplina de História Natural de Vertebrados. O professor, muito bom por sinal, reservou um dia pra falar do comportamento de um animal bem comum no meu convívio: pesquisadores. Ele resolveu falar de um aspecto essencial à vida dos pesquisadores, quase tão essencial quanto comer e se reproduzir para o resto dos organismos: publicar.
O que me marcou na aula foi a objetividade. Ele falou essencialmente de publicação de artigos científicos, de o quanto isso é importante para a ciência e o que é de fato ser autor de um artigo.
Pra ele (e pra mim hoje em dia também), autor é aquele que idealiza, faz o desenho experimental, obtém os dados, analisa os dados, interpreta os dados e escreve. É claro que alguns artigos têm co-autores, que são pessoas que participaram ativamente do processo, ajudando essencialmente a idealizar e a interpretar os dados. Se alguém discute o artigo e tem uma idéia genial que ninguém tinha pensado antes e MUDA o rumo da discussão, talvez esse alguém também possa ser incluído como autor. O sujeito que ajuda na coleta, o que empresta o material, o que eventualmente gera algum dado ou o que ajuda em alguma análise recebe um belíssimo agradecimento no final do artigo, o que deveria ser tratado com mais apreço pelos pesquisadores em geral.
O que marcou mais foi isso: a autoria está relacionada ao produto INTELECTUAL do trabalho, não ao conteúdo braçal. Fico cada vez mais estarrecida com a ciranda da ciência que vejo em muitos lugares: "põe o meu nome no teu artigo que depois eu ponho o teu no meu..." Parece coisa de criança! E os laboratórios que visam "fortalecer o grupo"? - leia-se: "vamos colocar o nome de todos em todos os artigos que produzirmos, assim nossos alunos terão curriculos competitivos para prestar os concursos que vêm por aí..."
Alguns fatores ajudam a entender alguns porquês destes comportamentos (nada que os justifique de fato). Hoje, para ser admitido como PROFESSOR numa universidade pública, o sujeito tem antes que provar que é um PESQUISADOR, e tem que ter publicado vários artigos em boas revistas. É interessante isso, desde que não nos esqueçamos que é preciso contratar bons PROFESSORES. Não tenho nada contra quem publica muito e bem, muito pelo contrário, só gostaria que a habilidade de ensinar também fosse levada em conta de maneira mais séria, será que é pedir muito?
A segunda coisa é que a CAPES fechou o cerco contra programas de pós-graduação que publicam pouco. Isso faria mais sentido se fosse observada a qualidade além da quantidade (parece que agora isso está começando a mudar, felizmente). Acho que uma coisa saudável a fazer seria fiscalizar as cirandas, não sei exatamente como fazer isso, mas o bom senso diz que qualquer artigo com mais de 5 ou 6 autores, a menos que seja algo realmente grande, no mínimo tem autor demais... Um amigo meu disse uma vez que certos artigos têm "mais autores que graus de liberdade". Dá até vergonha de uma coisa dessas.
Outro dia escutei um discurso que era mais ou menos um guia de sobrevivência: "me cita que eu te cito, isso fará inflar nosso fator H", a grande coqueluxe do momento... Tem outra: "cite só artigos da Web of Science, que é lá que o fator H é computado, se não está neste banco de dados, não existe"! Sim, estamos numa guerra pela sobrevivência. Publicar e ser citado virou o objetivo. É claro que publicar é importante e ser citado pode significar que seu trabalho tenha alguma relevância pra alguém mais que você e a sua mãe. E a ciência? E a curiosidade? E o tesão de fazer uma boa pergunta e tentar responder? Estas coisas estão cada dia mais raras. Hoje, pra começar um projeto, a primeira pergunta que se faz é se é publicável e não se você tem vontade de saber o que vai tentar responder. Ah, e pra responder o que quer que seja você tem que usar a ferramenta da moda, o que pelo menos em biologia significa gastar rios de dinheiro com equipamentos e reagentes caríssimos pra obter resultados que nem sempre são tão bons (já parou pra pensar nisso?).
Acho que passou da hora de parar pra pensar e refletir sobre o que estamos fazendo. Que tipo de ciência estamos produzindo? Que tipo de alunos estamos formando? Que raios de exemplo estamos dando com estas cirandas??? Será que somos o que gostaríamos de ser quando decidimos por esta carreira? E pra quem está em formação, eu sugiro que comece a pensar desde já no que é ético e no que não é nessa nossa carreira. Às vezes não dá pra brigar pelo que você acredita estar certo, mas observar atentamente o comportamento dos seus colegas, professores e orientadores pode ajudar bastante na sua formação científica. Isso vale pra ter exemplos de como se comportar e principalmente de como não se comportar...
O que me marcou na aula foi a objetividade. Ele falou essencialmente de publicação de artigos científicos, de o quanto isso é importante para a ciência e o que é de fato ser autor de um artigo.
Pra ele (e pra mim hoje em dia também), autor é aquele que idealiza, faz o desenho experimental, obtém os dados, analisa os dados, interpreta os dados e escreve. É claro que alguns artigos têm co-autores, que são pessoas que participaram ativamente do processo, ajudando essencialmente a idealizar e a interpretar os dados. Se alguém discute o artigo e tem uma idéia genial que ninguém tinha pensado antes e MUDA o rumo da discussão, talvez esse alguém também possa ser incluído como autor. O sujeito que ajuda na coleta, o que empresta o material, o que eventualmente gera algum dado ou o que ajuda em alguma análise recebe um belíssimo agradecimento no final do artigo, o que deveria ser tratado com mais apreço pelos pesquisadores em geral.
O que marcou mais foi isso: a autoria está relacionada ao produto INTELECTUAL do trabalho, não ao conteúdo braçal. Fico cada vez mais estarrecida com a ciranda da ciência que vejo em muitos lugares: "põe o meu nome no teu artigo que depois eu ponho o teu no meu..." Parece coisa de criança! E os laboratórios que visam "fortalecer o grupo"? - leia-se: "vamos colocar o nome de todos em todos os artigos que produzirmos, assim nossos alunos terão curriculos competitivos para prestar os concursos que vêm por aí..."
Alguns fatores ajudam a entender alguns porquês destes comportamentos (nada que os justifique de fato). Hoje, para ser admitido como PROFESSOR numa universidade pública, o sujeito tem antes que provar que é um PESQUISADOR, e tem que ter publicado vários artigos em boas revistas. É interessante isso, desde que não nos esqueçamos que é preciso contratar bons PROFESSORES. Não tenho nada contra quem publica muito e bem, muito pelo contrário, só gostaria que a habilidade de ensinar também fosse levada em conta de maneira mais séria, será que é pedir muito?
A segunda coisa é que a CAPES fechou o cerco contra programas de pós-graduação que publicam pouco. Isso faria mais sentido se fosse observada a qualidade além da quantidade (parece que agora isso está começando a mudar, felizmente). Acho que uma coisa saudável a fazer seria fiscalizar as cirandas, não sei exatamente como fazer isso, mas o bom senso diz que qualquer artigo com mais de 5 ou 6 autores, a menos que seja algo realmente grande, no mínimo tem autor demais... Um amigo meu disse uma vez que certos artigos têm "mais autores que graus de liberdade". Dá até vergonha de uma coisa dessas.
Outro dia escutei um discurso que era mais ou menos um guia de sobrevivência: "me cita que eu te cito, isso fará inflar nosso fator H", a grande coqueluxe do momento... Tem outra: "cite só artigos da Web of Science, que é lá que o fator H é computado, se não está neste banco de dados, não existe"! Sim, estamos numa guerra pela sobrevivência. Publicar e ser citado virou o objetivo. É claro que publicar é importante e ser citado pode significar que seu trabalho tenha alguma relevância pra alguém mais que você e a sua mãe. E a ciência? E a curiosidade? E o tesão de fazer uma boa pergunta e tentar responder? Estas coisas estão cada dia mais raras. Hoje, pra começar um projeto, a primeira pergunta que se faz é se é publicável e não se você tem vontade de saber o que vai tentar responder. Ah, e pra responder o que quer que seja você tem que usar a ferramenta da moda, o que pelo menos em biologia significa gastar rios de dinheiro com equipamentos e reagentes caríssimos pra obter resultados que nem sempre são tão bons (já parou pra pensar nisso?).
Acho que passou da hora de parar pra pensar e refletir sobre o que estamos fazendo. Que tipo de ciência estamos produzindo? Que tipo de alunos estamos formando? Que raios de exemplo estamos dando com estas cirandas??? Será que somos o que gostaríamos de ser quando decidimos por esta carreira? E pra quem está em formação, eu sugiro que comece a pensar desde já no que é ético e no que não é nessa nossa carreira. Às vezes não dá pra brigar pelo que você acredita estar certo, mas observar atentamente o comportamento dos seus colegas, professores e orientadores pode ajudar bastante na sua formação científica. Isso vale pra ter exemplos de como se comportar e principalmente de como não se comportar...
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008
sexo e morte...
Este post é só pra recomendar um livro excelente que acabei de ler. "Sexo e as Origens da Morte" de William R. Clarck, é uma homenagem à biologia. Ele trata a biologia celular como eu nunca vi, duma forma que mesmo as descrições mais enfadonhas sobre estrutura de organelas ganha vida e deixa de ser uma simples descrição para se tornar parte de um processo evolutivo.
De quebra, o autor demonstra como surgiu o maior dos custos da reprodução sexuada: o princípio da morte programada. Isso significa que sem sexo, as células morriam por falta de nutrientes ou por acidentes. Depois que o sexo foi "inventado", foi decretado que todas as células de um organismo que não fossem gametas teriam prazo de validade.
O autor começa descrevendo um infarto do miocárdio do ponto de vista do paciente e do ponto de vista de uma das células do miocárdio. No capítulo 2 ele descreve a morte programada, que ocorre por exemplo em células embrionárias (temos membranas interdigitais nas mãos até uma certa fase do desenvolvimento embrionário, as células destas membranas literalmente se "suicidam" sem maiores consequencias para o embrião). Nos capítulos 3 e 4 ele demonstra que a reprodução sexuada é a grande responsável pelo início da morte, vale a pena conferir. No capítulo 5 ele divaga sobre a "hierarquia das células" e fala sobre a morte cerebral como o pré-requisito para a declaração de morte oficial. O capítulo 6 discute se vírus são seres vivos ou não, genial!
O mais cativante do livro é que está numa linguagem acessível para leigos e não é excessivamente enfadonho nem impreciso para biólogos. Se alguém da biologia celular discorda disso me corrija, mas achei toda a linguagem do livro extremamente adequada, recomendo a todos os estudantes da área de biológicas e a todas as pessoas interessadas em conhecer um pouco mais sobre biologia, evolução, sexo (no sentido biológico de recombinação genética) e morte.
De quebra, o autor demonstra como surgiu o maior dos custos da reprodução sexuada: o princípio da morte programada. Isso significa que sem sexo, as células morriam por falta de nutrientes ou por acidentes. Depois que o sexo foi "inventado", foi decretado que todas as células de um organismo que não fossem gametas teriam prazo de validade.
O autor começa descrevendo um infarto do miocárdio do ponto de vista do paciente e do ponto de vista de uma das células do miocárdio. No capítulo 2 ele descreve a morte programada, que ocorre por exemplo em células embrionárias (temos membranas interdigitais nas mãos até uma certa fase do desenvolvimento embrionário, as células destas membranas literalmente se "suicidam" sem maiores consequencias para o embrião). Nos capítulos 3 e 4 ele demonstra que a reprodução sexuada é a grande responsável pelo início da morte, vale a pena conferir. No capítulo 5 ele divaga sobre a "hierarquia das células" e fala sobre a morte cerebral como o pré-requisito para a declaração de morte oficial. O capítulo 6 discute se vírus são seres vivos ou não, genial!
O mais cativante do livro é que está numa linguagem acessível para leigos e não é excessivamente enfadonho nem impreciso para biólogos. Se alguém da biologia celular discorda disso me corrija, mas achei toda a linguagem do livro extremamente adequada, recomendo a todos os estudantes da área de biológicas e a todas as pessoas interessadas em conhecer um pouco mais sobre biologia, evolução, sexo (no sentido biológico de recombinação genética) e morte.
quarta-feira, 2 de janeiro de 2008
irresistível
Eu estou de férias, pelo menos de recesso, que acabará em seguida, mas não consigo esquecer meus alunos e algumas das perguntas que escuto. Uma delas está relacionada ao porque estudar genética. Bom, na minha opinião, qualquer um que esteja fazendo um curso de graduação na área de Biológicas deveria estudar genética, nem que seja pra não fazer afirmações deste tipo numa mesa de bar depois de beber algumas:
"O DNA não é só [???] uma molécula, ele tem MEMÓRIA [Ela deve estar falando do armazenamento do material genético talvez...], e isso se deve preponderantemente aos seus prótons, neutrons e FÓTONS [DNA de Natal, com luzinhas pra pendurar na árvore???]." (os colchetes são comentários meus...)
Eu juro que escutei esta pérola ao passar em frente a uma cafeteria em Pirenópolis, no interior de Goiás. Me disseram que o pessoal lá via duendes e gnomos, mas DNA piscando foi realmente demais pra mim.
Alguém por favor me explica o que aconteceu que eu perdi! Como diria um velho amigo, se cada um só falasse do que entende o mundo ia ser de um silêncio profundo (e, é claro, não haveriam blogueiros). O pior é a cara de séria e de entendedora da criatura que "cometeu" esta frase...
Feliz Ano Novo pra todo mundo...
"O DNA não é só [???] uma molécula, ele tem MEMÓRIA [Ela deve estar falando do armazenamento do material genético talvez...], e isso se deve preponderantemente aos seus prótons, neutrons e FÓTONS [DNA de Natal, com luzinhas pra pendurar na árvore???]." (os colchetes são comentários meus...)
Eu juro que escutei esta pérola ao passar em frente a uma cafeteria em Pirenópolis, no interior de Goiás. Me disseram que o pessoal lá via duendes e gnomos, mas DNA piscando foi realmente demais pra mim.
Alguém por favor me explica o que aconteceu que eu perdi! Como diria um velho amigo, se cada um só falasse do que entende o mundo ia ser de um silêncio profundo (e, é claro, não haveriam blogueiros). O pior é a cara de séria e de entendedora da criatura que "cometeu" esta frase...
Feliz Ano Novo pra todo mundo...
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